sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

maritacas




Dou muitos foras.
Muitos.
Acho que é por causa dessa minha eterna mania de fazer gracinha. O pior é que é muito melhor fazer gracinha com pessoas que você acabou de conhecer do que com conhecidos, pois é um modo de enturmar, de ser simpática. E assim a chance de dar um fora é infinitesamente maior.
Tenho uma amiga que me contou que também sempre dá foras, mas que só percebe quando olha ao redor depois da gracinha, vislumbra os meio sorrisos e ouve o silêncio secular.
- É bem nessa hora que eu percebo que dei um fora - ela me explicou - Sabe aquela hora do silêncio? Quando a gente praticamente ouve as maritacas?
Eu sei como é. Já dei muitos ao longo da vida. Não tem nada pior que o silêncio secular depois de uns foras. Dá mesmo para ouvir as maritacas.
Um dos meus maiores e melhores foi numa festa. Era uma festa muito formal, cheia de gente muito importante. Eu não conhecia absolutamente ninguém, mas estava com o Zé, que conhecia absolutamente meio mundo. Porém ele engatava numas conversas intermináveis sobre assuntos seríssimos que não tinham nada a ver comigo. Bem, eu estava entediada, com vontade de conversar, falar bobagem, rir, mas ali não havia chance.
Resolvi beber alguma coisa. Larguei o Zé e fui até a mesa de bebidas. Na minha frente estava um senhor mais velho, de cabelos brancos.
O homem se servia de uísque, mas era muito, mas muito lerdo. Não sei se ele não reparou que tinha gente na fila, não sei se estava distraído, não sei se tinha algum problema motor, mas o homem praticamente empacou na minha frente. Eu ali esperando a minha vez e ele embaçando, naquela lerdeza.
Que remédio.
Passei a observá-lo. Ele colocou os cubos de gelo no copo bem devagar. Parecia que eram mais de vinte cubos, pelo tempo que levou para fazer o serviço. Depois escolheu um uísque e despejou no copo bem devagarinho, praticamente gotejando. Porém o uísque entrou no copo mas não desceu. O homem colocou os gelos de um modo tal que eles travavam a descida da bebida. Sem você olhasse, veria aquele copão cheio de gelo mas só com um tantinho de uísque por cima. E, se ele colocasse mais uísque ali – e ele queria colocar mais – o uísque ia cair para fora. O homem suspirou. Colocou a garrafa na mesa e pegou o copo. Olhou atentamente. Tentou mexer nas pedras sacudindo um pouco o copo, para ver se elas se mexiam e o líquido descia. Nada. Ele murmurou um “tsc”, olhou para os lados e me viu. Deu um sorrisinho sem graça, e – fazer o quê? – meteu o dedo no uísque e tentou mexer as pedrinhas de lugar com o dedo. Afe. Achei meio nojento, mas era ele que ia beber mesmo.
Porém, nem com dedo. Nada do uísque descer.
Achei engraçado. Que problema mais ridículo. Foi quando eu não agüentei mais ficar calada na fila e lá mandei a minha infeliz piadinha.
- É... – disse, rindo, para o homem desconhecido - Acho que você está com problemas de penetração...
Me arrependi no mesmo instante.
O homem me olhou de cima a baixo. Depois olhou de novo, franzindo os olhos por cima dos óculos, com o copo na mão, analisando quem tipo de mulher eu era.
Não falou nada. Nem uma única palavra. Pode ser que não tenha entendido o que eu disse, pode ser que tenha achado que foi de mau gosto, pode ser que fosse surdo, pode ser que estivesse bêbado demais, pode ser que tenha me desprezado até o último fio dos cabelos.
Só sei que eu fiquei ali, me xingando por dentro e engolindo seco até a bebida dele “penetrar” e ele completar o copo com o uísque, com meu sorriso sem graça no rosto e ouvindo o silêncio secular.
E aquela última palavra horrível que eu falei – “penetração” – ficou ressoando na festa, como... como...
Como o som de maritacas, claro.

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