quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

o taxista, o carneiro e a filosofia


Cheguei à noite, chovia em São Paulo. Peguei o táxi no saguão central. O aeroporto de Congonhas está a maior bagunça por causa da reforma.
O motorista era um senhor grisalho. Eu tinha comentado, numa conversa com um engenheiro amigo meu, como os motoristas de táxi se metiam nas conversas dos passageiros. Não tem uma vez que o motorista não sem mete na minha conversa ou até na conversa que estou fazendo ao telefone. Impressionante.
E ontem foi só chegar em São Paulo e entrar no táxi para a coisa acontecer de novo.
- Nossa, essa chuva... A senhora prefere ir por dentro ou por fora da marginal?
É o botão de start. É nesse instante que começa a conversa mole que rola para todos os lados.
- O senhor que decide, eu não tenho a menor idéia – respondi.
Ele era simpático. Me contou que trabalhava no ponto do aeroporto há mais de trinta anos, que até prestou concurso para entrar. Hoje é uma espécie de coordenador do local. Pelo que entendi, existe uma espécie de associação dos motoristas de táxi do aeroporto e ele é o terceiro homem em ordem de importância. Falou isso com orgulho. Disse que como o aeroporto está em obras, eles têm muita coisa para resolver. A localização dos pontos é muito importante para eles não perderem clientes, mas o ponto muda a toda hora pois o embarque muda de lugar. E depois tem o fluxo, que do modo que está vem causando um grande congestionamento na via. "Está complicado para resolver", ele explica.
- Mas o problema maior, moça, são os taxistas que reclamam. O resto eu tiro de letra – ele conta.
- Reclamam de quê?
- De tudo. A senhora sabe gente que reclama? Tem gente que reclama de tudo e principalmente das coisas que não tem como resolver. Isso que me atrapalha e incomoda. Os colegas que reclamam.
- São taxistas como você? Os que reclamam?
- Pior é que são. Por exemplo, para a senhora entender melhor. Estamos em obras e as obras existem para melhorar e atualizar o aeroporto. Vai ficar bom, bonito, eu sei, já vi os desenhos. Mas esses colegas não entendem. Atrapalham nosso trabalho e gastam um tempo enorme reclamando da reforma. Ô Deus, como reclamam.
- Ah. Eu sei como é.
- Não entendo como eles não percebem que não adianta nada. Reclamar é a coisa mais burra do universo. Eu, por exemplo. Eu não reclamo de nada - e ele começou a filosofar - Vamos supor que eu chego em casa e vejo que minha mulher mudou a mesa da cozinha de lugar. Eu olho a mesa e a mulher. Eu vou reclamar? Claro que não. Eu apenas sento na mesa e como o meu jantar. Se tem comida e tem mesa, está mais que bom. Não importa onde. A senhora entende?
- Entendi sim senhor.
- Mas eles não. Parece que para eles não basta ter comida e mesa. Eles discutem tanto o lugar da mesa, reclamam que está errado, ficam lembrando de antes e quase se esquecem de comer. E gastam horas e horas nisso.
- Moço, acho que é um estilo de vida.
- Pode ser. Mas atrapalha. Confunde. E enche – o homem, animado, resolveu filosofar mais ainda – É, a senhora tem razão. É um modo de ver a vida. Tem gente que resmunga e reclama sem parar de tudo! É mãe que reclama que filho dá trabalho, esposa que reclama da hora que o marido chega, trabalhador que reclama que tem muito trabalho... Por que será? Coisa estranha que é o homem, a senhora não acha?
- Acho que tem gente que gosta de reclamar, moço. O senhor reparou numa coisa muito, mas muito interessante. Eu também conheço um monte de gente assim. E também nunca entendi para que serve reclamar, sabia?
Foi quando passamos em frente a uma churrascaria onde se lia numa placa que ali aconteceria um leilão de ovinos naquela noite.
- Olha só, senhora, um leilão de carneiros! – ele apontou – e veja, colocaram alguns carneiros ali na porta!
Olhei. Era verdade. Dentro de dois engradados, na porta da churrascaria e no meio da chuva, da avenida e do trânsito, dois pobres e gordos carneirinhos pelados estavam parados e resignados.
- Cada uma que esse povo inventa... – falou meu motorista, rindo - Esses ai que deveriam reclamar. A senhora não acha?

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