quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

o gato


(Estava escrevendo outra crônica para colocar hoje aqui, falando dessa época do ano, das férias, do natal. Mas na hora H desisti, a crônica estava estranha, desconjuntada, sem eira nem beira. Lembrei dessa antiga, que é um das que eu mais gosto. Vamos ficar só com ela por hoje)

Estava escuro e enfumaçado, mas percebi quando ele me viu. Deu olhar fulminante e veio na minha direção. Naquele instante também notei que nunca tinha visto aquele fulano na minha vida. Quem seria ele? E era comigo mesmo? Olhei para os lados. Não tinha mais ninguém ali.
Uau. Era comigo mesmo.
Na época que eu era menina, o rapaz poderia ser chamado de “um gato”. Sabe aquele tipo de moço bonitão? Era ele, o gato. Mas shiuuu, acho que hoje em dia ninguém mais usa esse termo. E, se a gente usar, isso vai significar que somos de outra geração, de milhões de milhões de séculos atrás. Olha o perigo. Tenho certeza que, se eu falar “o fulano é um gato” ao lado da minha filha pré-adolescente, ela vai me olhar aborrecida, suspirar fundo e me dizer “ah, menos, mãe, menos”.
Menos...?
Enfim, lá estava o tal do homem – moço – gato – bacanão, naquela festa supermoderna, todo de preto e até sorrindo para mim. Gente, quem seria ele? Comecei a me achar a maior gagá. Algum conhecido? Funcionário de algum lugar que eu já trabalhei? Filho de algum amigo? Vizinho? Ator de novela? Por mais que eu puxasse pela memória, nada. Impossível lembrar ou associá-lo a alguém ou a algum lugar. Nessas horas, sempre acho melhor a gente cumprimentar do que fingir que não vê. E direito, como manda o figurino: perguntar se está tudo bem, dar beijo, tudo. Completinho. Quem sabe assim a minha memória não dava um clic?
Ele olhou firme para mim.
- Oiii.
Eu sorri.
- Alô. Oi.
Nem pensei duas vezes, fui direto na direção dele. Ele já tinha me dito até “oi”, não era? Então dei um beijo de um lado do rosto, e logo em seguida um outro beijo de outro lado do rosto, como deve ser. Toda feliz da vida.
Ichiii.
Que equívoco. Percebi que ele ficou um pouco acanhado, pois até estremeceu. Gaguejou um pouquinho e levantou os braços lentamente. Numa das mãos ele tinha uma garrafa de bebida, na outra umas taças, encaixadinhas entre os dedos. E, ainda sorrindo mas meio sem graça, continuou:
- A senhora... aceita um pró-seco?
Céus. Era um garçom.
Menos, mãe...
Céus. E ele ainda me chamou de “senhora”!
Menos, mãe, menos.
Ir nessas festas modernérrimas dá nisso. É um verdadeiro perigo para uma mulher da época dos “gatos”. Tanto os garçons como as garçonetes se parecem demais com os convidados. Usam roupas desenhadas por estilistas, são modelos, malhados. E em geral são dez milhões de vezes mais lindos e elegantes que você, o que, se a gente pensar bem, é bem irritante. Qual o problema dos garçons de antigamente, com cara e roupa de garçom mesmo?
Nesse dia eu fiquei muito envergonhada com minha caipirice, confesso, e passei o resto da festa tentando sumir. Desaparecer. E pior, na maior pró-secura. Não tive a menor coragem de aceitar outro pró-seco de quem quer que seja, conhecido ou não.
Tudo bem. Depois disso, aprendi: em festas com muita modernice, sou a maior “menos” desse mundo.
Agora, ô turma da moda. Vamos combinar uma coisa, por favor. Quando vocês desenharem uma roupa de garçom, avisa os convidados, tá? Sei lá, coloca a descrição no convite da festa, ou uma foto no cardápio, põe um crachá na roupa, qualquer coisa.
Acho que todas as “senhoras” da turma dos “gatos” agradeceriam...

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