terça-feira, 20 de dezembro de 2005

... “finalizando” a relação...



- Posso te dar uma idéia para uma crônica?
Era um amigo meu, numa dessas happy hours de final de ano onde a gente volta rouca, com cheiro de cigarro e chopp.
- Todo mundo deve te dar idéias, não é, lúcia? Deve ser uma encheção.
- Não, não é não.
Na verdade, muito pouca gente entende o que é uma idéia de crônica. Uma idéia de crônica não é uma história ou um caso, necessariamente. É uma coisa que a gente percebe, que se liga com alguma outra coisa que necessariamente não tem a ver com a primeira coisa, mas que faz sentido e principalmente tem graça.
- Fala a sua idéia – pedi à ele, curiosa.
- A questão é a seguinte: antigamente, como você desligava as coisas?
- Como assim?
- Como você desligava coisas que ligavam, como rádios, tvs, ferros de passar, liquidificadores, calculadoras?
- Girava ou apertava um botão. “Plec”.
- Isso. Perfeito. “Plec”. Ou “tic”. Ou “tluc”. Um único barulho. Um único botão.
- Isso. E daí?
- E quanto tempo levava?
- Para desligar? Ora. O tempo de girar um botão. “Plec”. Um segundo.
- Ahá! – ele exclamou, animadíssimo – Tá vendo?
- Não tou vendo nada. Onde está a idéia de crônica?
Ele recostou na cadeira, sorriu e suspirou fundo.
- Está justamente ai. Hoje em dia as coisas não desligam mais com um “plec”. Desligam com... escândalo.
- As coisas fazem escândalo? Como assim?
- Olha, vamos supor que você está numa reunião com um monte de gente e esqueceu de desligar o celular. De repente, você se lembra disso. Você, quietinho, pega o aparelho do bolso e aperta o botão de desligar.
- Tá.
- Olha, lucia, o seu eu não sei, mas o meu faz um escarcéu polifônico insuportável. É um vexame total – e ele imitou, cantando alto – “titiririri- riririri- ririruimqui- quim”!
- É mesmo...
- Um alvoroço, parece um alarme de incêndio. Parece o final de uma apresentação de uma orquestra sinfônica, só falta um maestro rodopiando para chamar mais atenção. Custava ser discreto? É como se ele não quisesse desligar, o desgraçado. Aliás, repara. Tudo é rápido num celular, menos o botão de desligar: você tem que segurar mais de um minuto, apertando com força e quase quebrando a unha. O ato de desligar um celular no mundo moderno é materialização do gerúndio: você realmente “vai estar desligaaaaando” o telefone.
Eu ri. Ele continuou.
- Outro dia passei um vexame danado no cinema. O aparelho, além de avisar para todos que “ia estar desligando”, ainda acendeu as luzes, me iluminando. Tentei abaixar o som e, no escuro, aumentei mais ainda.
- Já passei por uma situação assim – me lembrei, rindo e me lembrando – eu, por exemplo, não consigo desligar Ipod. Minha filha falou “mãe, esquece e abandona que ele desliga sozinho daqui a pouco”.
- E os computadores, já reparou? – ele prosseguiu, animado quando percebeu que sua idéia de crônica, além de uma boa idéia de crônica, estava virando uma idéia de assunto - O meu, quando eu digo para ele que vou desligar, resolve fazer um monte de coisas, parece que de propósito. Atualizar o Windows, atualizar o antivírus, retirar os ícones não utilizados... Além disso, quando realmente desliga, depois de horas, lá vem a sinfonia. Tororororóum! Para a casa inteira ou o escritório inteiro ouvirem o que você acabou de fazer. Para quê isso? Desligar essas máquinas é pior que acabar casamento. Daqui a pouco elas vão querer discutir a relação. Ou será que essas coisas foram feitas para não ser desligadas?
Foi quando uma outra amiga que ouvia tudo ali ao lado interveio.
- Ah. Arranca o cabo, como eu. Quando “eles” começam a demorar, eu venho e nhaca. Arranco o cabo do meu notebook. Desgraçado. Acha que eu tenho todo tempo do mundo?

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