segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

dentro dos canos



Morei muito tempo da minha vida em apartamentos. Nasci em um, fui criança em um, quando era menina meu pai tinha até um outro apartamento para as férias em São Vicente.
Lembro de uma sensação engraçada. Eu, criança, deitada na cama e pensando quantas pessoas estavam dormindo em cima e em baixo de mim no nosso prédio. Eu morava no terceiro andar, o prédio tinha onze. Conhecíamos todos os moradores, meu pai comprou o apartamento “na planta”. Imaginar que eu estava empilhada sobre outros seres humanos como minhas roupas na gaveta era muito estranho. Mais estranho era pensar nas pessoas que estavam em cima e em baixo e mim, óbviamente todas conhecidas.
Depois que me formei arquiteta aconteceu outra coisa curiosa. Quando você vê as coisas em planta, como os arquitetos fazem o dia todo, é inevitável não se lembrar, por exemplo, que a cabeça da tua empregada dormindo está a menos de 50 cm do seu filho ou coisas assim. Uma vez tive uma cliente que, quando viu a planta da casa que tínhamos projetado, notou que o banheiro da empregada encostava parede com parede com o closet do marido. Deu um chilique em mudou o desenho todo, não adiantou o marido argumentar que era possível fazer uma parede mais grossa, com tratamento acústico, com o caramba a quatro. Ela foi categórica, nem pensar. Não conseguiria morar num lugar onde a empregada ficasse pelada tão perto do marido dela, que também poderia estar pelado no closet.
Mas a sensação mais estranha que tive sobre essa coisa de morar em apartamentos surgiu depois que eu passei a fazer e gerenciar obras. Tive que acompanhar muitas reformas de apartamentos e entender toda a infraestrutura. Bem, se você prestar atenção, não são somente as camas das pessoas que moram em apartamentos que são empilhadas. São os fogões, as geladeiras, as privadas, os chuveiros, as tvs, as roupas. E para tudo isso funcionar direito, todas as tubulações dos apartamentos de cima e de baixo do seu, queira ou não, passam pelo seu. Ou seja, a água do prédio todo que está na caixa lá em cima desce por uma parede da sua casa, o ralo do jardim da cobertura desce por outra parede, e pode ser que, numa das paredes do seu quarto, pertinho da sua cama, esteja um enorme cano de esgoto onde passam as fezes e excrementos de todos os seus vizinhos de cima.
Argh.
Não acham que isso é meio nojento?
Meio nojento?
Beeem nojento.
Surtei. Até conseguir as plantas de hidráulica do prédio onde eu morava na época, passei a escutar as paredes, desconfiada. Mudei a cama de lugar, troquei o sofá de lado na sala. Olhava desconfiada para os vizinhos no elevador. Tudo por causa dos canos de esgoto.
Um tempo depois de perceber isso, resolvi não morar mais em prédios. Não que eu não volte, claro que isso não é definitivo. Mas vou sempre prestar bastante atenção onde coloco a minha cama.
Para que meus sonhos não entrem pelo cano...

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