O arquiteto aproveitou a hora do almoço para ver a reforma do apartamento.
Ele entrou no meio da sala empoeirada, a porta estava apenas encostada. O local estava em absoluto silêncio, normas do condomínio: do meio dia as duas é proibido fazer barulho.
Quase todos os peões e funcionários dormiam ali mesmo na sala, no chão. Um deles usava a botina como travesseiro. Ao lado deles algumas marmitas e cascas de laranja. Um rapaz moreno, de camiseta regata, cruzou a sala na sua frente.
- Oi... – ele interpelou o moço – Você sabe do seu Sabino?
Na falta da resposta, ele tentou de novo.
- Como que você chama?
- Wanderson. Mas o pessoal aqui me chama de Mauá.
- Mauá. Mauá, você viu o seu Sabino? Eu sou o arquiteto da obra, ele me conhece.
Ele não respondeu, como se não tivesse entendido.
- O seu Sabino, o mestre.
- Ah. Saiu ele. Agorinha.
O arquiteto deu de ombros. Passou a andar pelo local para entender se estava de acordo com o projeto. Depois de rodar a sala e cozinha, foi para os quartos e sala íntima. Na volta parou no meio do corredor. O vão da porta da entrada da sala de TV estava no lugar errado.
Voltou para achar o rapaz.
- Mauá, escuta aqui. Você trabalha com o Sabino?
- Trabalho sim senhor.
- É o que?
- Sou servente.
- Bom, vem aqui comigo que eu preciso que você fale uma coisa pra ele – levou o rapaz até o corredor - Está vendo essa porta?
- A porta não, estou vendo o buraco da porta porque a porta ainda não tá ai - ele respondeu, sério.
- Isso. O buraco da porta, claro. De novo. Mauá, você está vendo esse buraco de porta?
- Estou sim senhor.
- Esse buraco de porta está errado.
- Não parece não.
Ele sorriu. Falar com peões de obra é completamente diferente do que falar num escritório, ou falar com funcionários ou em reuniões. A linguagem, a velocidade, o tom e a lógica precisam ser outras.
- Mauá, essa porta está no lugar errado. Temos que deslocar meio metro para o lado direito.
O rapaz olhou com cara de nada.
- Entendeu?
- Não senhor.
- Está vendo esta porta aqui, Mauá?
O pedreiro olhou o vão e franziu o olho com força.
- Bom, esquece. Fala pro Sabino que eu vim aqui e que.
Era melhor desistir, aquela conversa seria longa. Mas ao mesmo tempo lembrou que a obra não tinha telefone e o seu Sabino nunca atendia o celular dele. Era melhor resolver ali mesmo.
- Não, peraí. Vamos resolver agora mesmo. Olha, fala para o Sabino que essa porta tem que sair daqui - ele falou alto e resolvido.
- Sair daqui? – perguntou o servente, como se aquilo fosse o maior absurdo do mundo. Era como se a porta estivesse sendo mandada para a lua.
- É, sair daqui! Esta porta – e ele mostrou a porta com o dedo - deve sair daqui e deve ir meio metro para o lado direito!
- Lado direito?
- Direito, esquerdo. - ele mostrou com o dedo - ela vem pra cá, este que é o lado direito.
Os olhos do servente se iluminaram.
- Ah, entendi, é para mexer na porta – concluiu, com uma risada gostosa.
- Isso. E você vai colocar a porta meio metro para cá. Tá entendido?
Ele coçou a cabeça. Óbvio que não estava nada entendido.
- Mauá, você sabe quanto é... meio metro?
- Sei, é cinqüenta.
- Isso.
- Mas como cinqüenta se a porta tem mais que cinqüenta? – ele arriscou.
O arquiteto suspirou baixinho. Era desesperador.
- É, você tem toda razão. A porta tem mais que cinqüenta. Mas esquece o tamanho dela e pensa que ela vai andar, andar – e o arquiteto começou a andar pelo corredor batendo os pés no chão - ... andar cinqüenta para cá! Ei. Você tem trena?
Ele mediu meio metro na parede e rabiscou com um pedaço de tijolo.
- Olha. A porta vai ficar aqui. Aqui começa e aqui acaba. Este batente aqui vem para cá e este outro para cá - concluiu, acabando o desenho no chão e nas paredes.
- Ah, entendi – respondeu o Mauá com um sorriso no rosto.
- Você fala isso para ele? – perguntou o arquiteto, suspirando.
- Para quem?
- Para o seu Sabino, quando ele voltar.
- Ah, mas o seu Sabino não volta mais hoje não senhor.
- Bom, tudo bem. Você fala amanhã?
- Amanhã eu não estou aqui mais não senhor. Vou para outra obra.
O arquiteto balançou a cabeça, irritado.
- Então obrigada aí, ô Mauá.
- De nada não senhor.
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