sexta-feira, 28 de outubro de 2005

eu não tenho roupa!



O Zé veio até a sala coçando a cabeça.
- Iii. Melhor você ir lá com a sua filha. Ela está lá em cima, parada, de toalha, olhando o guarda roupa. Tá acontecendo alguma coisa.
Eu entrei no quarto.
- Filha? O que foi, menina, não vai à festa? Porque está parada ai?
- O papai não entende, mãe! Eu não tenho roupa!
Começou.
Existe uma enorme verdade por trás dessa frase, e quem é mulher já falou isso mais de um milhão de vezes.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer: a famosa frase “eu não tenho roupa” não tem absolutamente nada a ver com a quantidade de roupa que você tem dentro do guarda roupa naquele exato momento.
Nadinha.
A frase quer dizer um monte de outras coisas, que também não nada a ver com as palavras que compõe a frase, ou seja, quando nós, mulheres, exclamamos desesperadas “eu não tenho roupa”, não queremos dizer nada com “ter” nem com “roupa”, acredite se quiser. A única palavra que vale é o “eu”, mas quando você, atrapalhada, exclama que não tem roupa, o teu “eu “ já está tão em pânico que acho que nem você sabe mais quem você é.
É confuso?
Muito. Tem gente que nem imagina o quanto.
É uma frase mais comum que a gente imagina, que pode ser dita até mais de uma vez por dia, independente da hora. Outra coisa, quando alguém literalmente diz “eu não tenho cabelo”, ou “eu não tenho dinheiro”, ou “eu não tenho carro”, saiba que essa pessoa provavelmente é careca, dura e está a pé. Porém a exclamação “eu não tenho roupa” não quer dizer, de maneira alguma, que você vá ficar pelada.
É uma sensação horrível, é quase como ser possuída por um espírito mau que te atormenta e que te impede de ir a festas, bares e encontros. Acho que deve existir uma entidade pelada qualquer (meus santos que me perdoem) que azucrina as mulheres antes dos eventos. Quem já passou por isso sabe como é desesperador não ter roupa bem na horinha de sair.
A questão é que criamos uma relação muito esquisita com nossos guarda roupas. Aquelas portas que se abrem na nossa frente, muitas vezes, abrem os nossos medos e receios. E quando nos vemos diante deles, sentimo-nos incapazes de enfrentar o mundo. Além disso, armários ainda tem espelhos – e espelhos não mentem jamais, essa é a questão. Quando somos meninas e vamos numa festa, somos mulheres em cabides, esperando para ser escolhidas. Acho que é por causa disso que acumulamos muito mais roupas do que precisamos: para sobreviver. É uma estratégia da guerra contra o medo. E acumulamos roupas não para vestir, mas para poder escolher a melhor arma para lutar contra a solidão.
Vestir-se, na minha opinião, é um negócio meio triste.
Isso é um assunto que vai além do entendimento racional. "Não tenho roupa" quer dizer que estamos inseguras, que não nos sentimos confortáveis dentro do nosso corpo, que estamos no limite das nossas vidas. Uma roupa para ir a uma festa ou a um encontro não se compra numa loja nem se resolve olhando o guarda roupa. A roupa ideal está dentro da nossa cabeça. É preciso sentir-se abrigada dos males, dos medos, das inseguranças. Vestir-se é colocar confiança no seu corpo.
E não é sempre que isso está dentro de uma guarda roupa.

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