sexta-feira, 7 de outubro de 2005

a peça e a prostituta


Era uma peça do Nelson Rodrigues.
Uma das personagens era uma prostituta. A cena mostrava a mulher implorando a um homem que ficasse com ela, mas ele não queria de jeito nenhum.
A moça, uma ótima atriz, se esfregava, se insinuava, se agarrava nas roupas do homem e expunha toda sua carência, não se importando com a humilhação explícita. Se jogava no escuro e dava de cara com as paredes, berrando, gritando, urrando.
Tipo desesperada.
Bom, sabe como é mulher quando dá para ser escandalosa.
O homem se mantinha impassível. Ele não queria aquele amor, era demais, era exagerado. Acho até que, na verdade, ele nem entendia a moça. Estava em outro lugar, em outro tempo, em outro pensamento. Isso acontece muito: às vezes a gente fala com as pessoas sem perceber que elas estão muito, mas muito longe.
Essa foi uma das cenas mais fortes que já vi. Tinha uma violência escancarada, nua, vulgar. Vi eu mesma, vi minha mãe, minha avó, minha bisavó, vi todas as mulheres do mundo berrando, gritando, implorando, nas nossas eternas carências de afeto. Vi como somos detestáveis, vi como nossas paixões são vexaminosas. Ali, naquele palco e naquela prostituta, eu vi o contrário de tudo que me ensinaram.
Olha, gente. Prostitutas somos todas nós que queremos ser adoradas. Prostitutas são todas mulheres do universo nessa nossa irritante ânsia de endeusamento. Toda mulher carente é meio puta e se vende por muito pouco. Muito, mas muito pouco.
Perdões, mas é verdade. Convenhamos.
Tive arrepios. Lágrimas nos olhos.
Acho que é a carência que nos faz querer mais, sempre mais. É como se precisássemos engolir todo o alimento que nos faltou durante décadas e décadas de gerações. O mais maluco é que sabemos isso desde pequenas. A virtude do sofrimento feminino vem de lá de trás, das avós e bisavós. Dizem que grandes mulheres agüentam os percalços, as afrontas, a solidão, a omissão. Mulheres sofridas são dignas. Carregamos esse peso ancestral na nossa alma e na nossa carne.
Mas hoje querem que aprendamos o contrário. Os tempos mudaram, as mulheres devem ser livres, não podem depender de homem, nem de casamento, nem de amor. Nos achamos super inteligentes, somos as maiores metidas com nossas verdades. Sabemos que podemos ter prazer e precisamos consumir esse prazer. Caramba, e como nos mandam consumir este maldito prazer. Acho que é por isso que sofremos tanto.
Um dia saímos das teorias, não agüentamos ficar sozinhas e começa a liquidação. O tempo passa e cada dia estamos mais em oferta, fazendo qualquer negócio por um carinho, por um amor.
Afinal de contas, como era mesmo? É para sofrer ou ser feliz?
Na peça ou na vida, gente, não é facil ser mulher.

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