quinta-feira, 15 de setembro de 2005

the wall


É inevitável não ligar para um callcenter ao menos uma vez na vida.
Lembro com saudade do tempo que a gente telefonava e falava com os donos dos lugares. Hoje, quando não falamos com máquinas, falamos com... atendentes de callcenters. Acho que é por isso que as pessoas gostam tanto de blogs e celulares. Nos blogs e celulares você fala direto com os donos.
Imagine se meu “frankamente...” precisar um dia de um callcenter para responder os comentários? Ia ser um desastre. As atendentes tapadas jamais iam achar graça nas visitas, o blog ia perder credibilidade. Para criar precisamos de troca. Callcenter não é troca, é seqüestro.
Bom, não vou falar aqui dos gerúndios, não agüento mais esse assunto. Vou é dar minha opinião sobre o conceito de callcenter.
Vamulá.
Acho que as empresas que criam esses mega centros de atendimento querem justamente não atender os clientes. Um callcenter é como um muro. É uma tática muito esperta para neutralizar clientes reclamões, igual faz o Zé nas festas com os chatos. Aliás, o Zé é completamente neutralizado pelas atendentes de callcenter, ele morre de raiva daquilo. Quando ele cai em um, maltrata como pode quem atende.
- Então chama o gerente. Já. Eu que quero falar com ele, não quero que ele me ligue. Onde ele está? Onde você está, mocinha?
- ...
- Ah. Esse lugar ai não tem chefe? Então me chama o faxineiro. Eu não perguntei isso. Eu pedi para falar com o seu chefe.
- ...
- Eu não perguntei isso. Você não me ouviu. Não foi isso que eu perguntei. Acho que você está surda. Eu pedi para falar com seu chefe.
Ficamos todos desesperados aqui em casa. As crianças tapam os ouvidos. Eu saio da sala.
- Mamãe, ele está fazendo aquilo de novo?
- Está, filha, está.
- Mãe, o papai não pode maltratar assim uma pessoa. Fala para ele parar.
Ele continua. Vê-se no rosto dele uma felicidade profunda. Acho que é o famoso "sabor da vingança".
- Como assim? Para reclamar eu tenho que entrar na Internet? Então eu não tenho Internet. Acabei de não ter. Ahá. Chame seu chefe.
- ...
- Ir na loja mais próxima? Eu não quero comprar nada, eu quero reclamar do atendimento. Me chame seu chefe. Como não tem chefe?
Céus.
Mas é horrível mesmo. O caminho que eles te levam a seguir é sempre o caminho do nada. Ninguém resolve nada via atendentes de callcenter, e acho que é essa a intenção.
Pensa bem. Se você fizer um serviço mais ou menos, as pessoas pedirão para você arrumar. Vamos supor que você não está a fim de arrumar nada, já recebeu a grana e não quer ser importunado. O que faz? Primeiro, não dá o seu celular e nem o seu endereço pro cliente. Segundo, coloca uma secretária bloqueadora no atendimento, daquelas secretárias simpáticas, rápidas e automáticas mas que impedem o caminho de qualquer pessoa que tente chegar em você. Callcenter é mais ou menos isso. É um modo de impedir que o problema chegue ao dono da empresa. Aliás, a moça que atende não deve entender nada do produto que você fabrica, e, melhor ainda, nem saber quem é você. Ela só precisa saber fazer uma coisa.
Neutralizar os reclamantes.
Outro dia descobrimos que as atendentes da empresa de energia aqui de São Paulo nem conheciam... São Paulo.
- Uma referência para encontrarmos essa rua, senhora.
- É perto do Ibirapuera.
- Ibirapuquê?
- Ibirapuera.
- Isso é um bairro?
- Não, um planeta. Onde você está, moça? – perguntei.
Ela desconversou. Não está autorizada a responder essa pergunta.
- Elas ficam muito longe – me explicou um amigo que trabalha numa empresa de telefonia – No Mato Grosso, Uberlândia, Conchinchina. Em lugares onde a mão de obra é barata e os alugueis idem. Imagina se existe callcenter aqui em São Paulo.
Já pensou? Acaba a luz da tua casa e você pede para alguém lá no meio do Mato Grosso consertar o fio que soltou do poste?
Ei. Em que planeta vivemos, moça? Eu queria falar com seu chefe, por favor.

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