domingo, 11 de setembro de 2005

o carrinho do supermercado II




Sabe o que é legal nos supermercados? É que é um consumo necessário. Não adianta achar que conseguimos sucumbir ao consumo. Conscientemente sou contra, falo mal dos shoppings, mas meu inconsciente adora comprar.
Fazer o quê.
Tenho uma amiga que disse que o novo sonho de consumo dela é ser o contrário do que ela é. Ela queria ter apenas uma coisa de cada. Um sapato, uma única bolsa, um único perfume.
- Mas isso está longíssimo de acontecer. Acho que demorarei uns dez anos para acabar com todas minhas roupas, sapatos e perfumes – ela desabafou, triste.
Já vi gente ter sede de consumo, mas sede de desconsumo foi a primeira vez.
Bom, por isso eu assumo. Adoro ao supermercado. Lá eu sou obrigada a comprar, ao contrário do shopping, onde eu tenho que me conter o tempo todo.
Entro e vou direto para as bebidas. Se não comprar as bebidas no começo, jamais comprarei no final. Elas só vêm para minha casa se ficarem escondidas. Sempre compro uma bebida nova, acho o máximo pessoas que tem bar em casa e ano passado resolvi, ali, sozinha entre as gôndolas, montar um bar só meu. Licor, campari, vinhos, saquê, vodka, cachaça, grappa. Cada dia uma novidade. Só ainda não tem Alexander, a bebida predileta da Márcia.
Calma, eu chego lá. E aceito sugestões.
Depois os refrigerantes. Adoro ter a geladeira lotada deles. É outra cafonice assumida. Loto o carrinho de coca cola em lata, que é mais bacana. Bem que eu dizia pra minha mãe que ela não devia proibir tanto.
Deu no que deu.
Nos salgadinhos eu hesito. Compro amendoim, castanhas, batatas e cheetos? Sim. Não. Sim. Não. Engorda, vai direto pro culote. Sim. Não. Sim. Pronto, comprei. Escondo no meio das latas de coca. Melhor nem ver.
Vou para o leite. Leite tem uma caixinha boa de colocar por baixo de tudo. Do leite, passo para o pão. Isso é errado, eu deveria colocar o pão por último, em cima, mas ele está ali ao lado e eu não resisto. Até o resto da compra eu sei que terei que ficar arrumando o pão, mas não consigo sanar esse erro de logística.
Do pão, aos frios. É necessário montar dentro do carrinho um compartimento gelado. Adoro organizar os frios e laticínios, eles se encaixam bem. Dali, direto para as carnes.
Olha. Por mais que tenham inventado os modess de carnes, as embalagens ainda vazam sangue. Isso, para um carrinho organizado como eu pretendo que o meu seja, é o caos. Já cansei de pedir que coloquem sacos plásticos ao lado das carnes, para que eu possa reembalá-las, mas nunca me atenderam. Eles realmente acreditam nas almofadinhas absorventes. Tenho que ir até os frangos, me munir de saquinhos e embalar uma a uma.
O próximo passo é o corredor da limpeza, a alegria da Maria, minha empregada. A lista que ela faz é cheia de detalhes. Veja Perfumes da Natureza azul claro. Ajax Rosa aquele da tampa grande. Vanish mas o de potinho. Limpa Vidros Cristal só o refil. Lustra Móveis Sabor Mel não o quadrado. A organização da limpeza é a hora mais complexa da compra. Tenho que achar um lugar entre as garrafas e os leite, sem contaminação. Muitos produtos ficam lá embaixo, no porão.
O papel higiênico é outro problema, ocupa muito espaço. Quando as pessoas vão inventar um carrinho estante? Seria muito mais legal.
Daí chego nas latas e mantimentos. Bico. Arroz. Macarrão. Óleo. Azeite. Tudo fácil de ajeitar, uma delicia. Quase por último, os biscoitos, também otimos de arrumar e os chocolates, que compro escondido de mim mesma e tento esconder sem muito sucesso, já com o carrinho quase lotado.
Quando chego nas frutas, estou exausta. Quero fugir, mas sei que as coisas estão apenas começando.
Aquele é o lugar de mais difícil logística de colocação, porque tudo vem desembalado, precisa ser escolhido, não tem forma exata e os produtos ou são muito leves ou muito pesados. O ideal, se eu não fosse maníaca, paranóica, demente e cheia de manias, seria pegar outro carrinho e colocar só frutas e verduras. Mas não, eu insisto em usar o mesmo, como se o fato de usar um segundo fosse uma... derrota.
Embalo tudo e penduro, como se o carrinho fosse um varal. Até a banana e o melão eu embalo, tenho a maior implicância de gente que não embala. É coisa de gente da cidade, cheia de frescuras.
Quando me dirijo ao caixa, descubro que não tenho onde colocar as laranjas e as batatas, que sempre levo nos braços, como se fossem meus filhos. E, com o carrinho albalroado, pesadérrimo mas único, me sinto vitoriosa.
Eu e meu carrinho arrumadinho.
Ô satisfação.

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