sábado, 24 de setembro de 2005

a beleza do insuportável




Outro dia li um livro super pesado, forte, arrasador. Esse texto, que não tinha graça nenhuma, me deixou encantada. Quando acabei, no meio da tarde de domingo, suspirei fundo, fiz um café e pensei em começar a ler outro livro que eu tinha recém comprado.
Olhei para o livro novo, mas não consegui abrir. Eu sentia uma sensação estranha. Não sei o que tomou conta de mim tem nome. O livro novo estava lá, bem na minha frente, eu queria lê-lo, tinha tempo e disposição, mas eu não me mexia. Era como se eu precisasse conter o texto já lido dentro do meu cérebro. Acho que, de algum modo, eu estava engolindo aquela tristeza, aquela sensação de agonia, bem devagarinho, lentamente.
Levei o livro novo para bem longe. A quilômetros dali. Não, eu não ia abri-lo. Seria uma traição fazer aquilo com o texto super pesado, forte e arrasador. Não sei se vou conseguir explicar. É que quando um filme é bonito, quanto um é texto bonito, uma música é bonita, eles entram na nossa cabeça e fazem um preenchimento completo. Na verdade acho que somos nós que deixamos que a coisa nos preencha, como deixamos nos afundar nas paixões e nas empolgações, nas idolatrias. Volta e meia nós nos entregamos como carnes numa churrasqueira, prontas para sermos assados.
E nem aí.
Porém quando a coisa é triste, pesada, forte, beirando o horrível, difícil aceitar que a gente gosta daquilo e que esse gostar é bom. E esse era o problema desse livro. Eu gostei da tristeza. E eu não ia trocá-la por um romance divertido.
Outro dia Pecus falou sobre isso. Só conhecemos de verdade as pessoas quando ouvimos seus choros. Acho que existe choro para tudo. Existe uma beleza estranha nos choros e nas tristezas. E tem muita gente que, embora não admita, adora tristezas.
Vou voltar ao livro insuportável. Ele deixou meu domingo triste, me deixou profundamente melancólica, eu não consegui me concentrar em mais nada e só consegui escrever a respeito no dia seguinte. Ou seja, aconteceu dentro de mim uma enorme alteração emocional. O estranho é que eu não impedi que essa sensação estranha entrasse, não impedi que ela ficasse e a mantive na minha mente. O meu inconsciente, de um certo modo, queria a insuportabilidade.
Não sei exatamente porque estou escrevendo isso aqui. É que eu nunca declarei, assumidamente, o quanto os textos insuportáveis me fascinam. As coisas boas são bacanas, mas para mim as coisas ruins são tão boas quanto. Dizem que as pessoas querem ler coisas engraçadas, divertidas, bem escritas e inteligentes. Não sei porque, mas eu gosto de coisas pesadas, tristes, sem graça, nada divertidas e muito mais passionais que inteligentes. Para minha alma estar bem alimentada, preciso de muitas risadas, mas também e de muito choro.
Passei o domingo toda borocochô, andando de lá para cá, remoendo aquela tristeza estranha.
Quando passou? Ah, só depois do Fantástico. Tem um programa de humor de duas mocinhas na Globo que é ótimo.
Ninguém é de ferro, né?

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