quarta-feira, 28 de setembro de 2005

as bobeiras


Era aniversário de um amigo, estávamos comemorando no Bar Balcão. O Bar Balcão tem esse nome porque não tem mesas e sim um grande balcão, todo torto, que ziguezazeia pelo ambiente. Assim, é possível passear aqui e ali e participar de um monte de conversas ao mesmo tempo.
Eu conversava com uma amiga quando ela foi ao banheiro e eu fiquei sozinha. Virei-me para o lado, onde estavam dois amigos, o A. e o M., conversando. Os dois gargalhavam de rir.
- O que foi, gente? - estranhei. Eles sempre são sérios.
- Uma coisa que a gente descobriu... – falou o M., tomando fôlego - É que você sabe, Lúcia, que nós dois somos professores.
- Sim.
- Os dois professores de arquitetura – ele continuou – de projeto.
- Sim, e daí?
Eles me explicaram o seguinte. Quando você é um professor, fica trancado na classe com seus alunos, sua matéria e sua aula, e não sabe o que acontece com os outros professores. Notam coisas, mas não tem com quem dividir. E tem coisas engraçadas que acontencem com você e com todo mundo, mas que você só descobre depois que alguém conta sem querer.
Acho que isso acontece com toda profissão, todo casamento, toda família e com todas as pessoas. As nossas questões são todas universais, tanto as preocupações, como os medos e as graças. Vivemos muito sozinhos nos nossos cantos e quando vamos conversar com os amigos somos muito formais: os assuntos certos, os filmes da moda, as viagens, as reclamações básicas. Por isso que eu gosto das bobeiras, dos pequenos detalhes, das implicâncias. São elas que, muitas vezes nos salvam desse mundo de banalidade e nos trazem para a realidade. E, de um modo ou outro, nos unem aos nossos iguais.
Eu não sabia o que falavam M. e A. , mas percebi que os dois estavam muito, mas muito felizes. Tá, os dois tinham bebido um pouco, mas desconfiei que falavam de alguma bobeira, alguma bobeira muito grande. Os dois são sérios, mas tava na cara que o assunto ali não era sério coisa nenhuma.
Eles tomaram fôlego e me explicaram.Era o seguinte. Existiam diversos alunos que tinham um modo engraçado de explicar projeto, e os dois, quando ouviam esses alunos, tinham vontade de rir, mas nunca comentaram com ninguém.
- Que modo engraçado é esse?
A. se adiantou e me explicou.
- Alguns dos meus alunos se sentam comigo para explicar o projeto e vão percorrrendo a planta como se andassem por ali.
- Tá. Eu também faço isso.
- Por exemplo. Eles me mostram a sala, a entrada da casa, a garagem, passeando com o lápis. Daí essas pessoas – e ele começou a rir descontroladamente – essas pessoas vem e me dizem “ ... pois bem, professor, aqui tem essa sala íntima, que dá na cozinha, dá no quarto, dá no banheiro, dá na suíte...” e nessa hora, Lúcia, eu tenho que me segurar para não cair na risada. Que pessoa é essa que “” tanto, na cozinha, no quarto, no banheiro?
Os dois caíram na gargalhada novamente, repetindo, “dá na cozinha, dá no quarto, dá no banheiro...”.
Pode?
Professores.
Adultos.
Quase velhos.
Depois dizem que as pessoas não gostam de bobeira.
Há. Até parece.

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