dois copos, gente, dois copos...
(nota: atenção, esse NÃO é o Zé)
Ainda sobre o tema “garrafa de vinho”, lembrei duma coisa. Uma verdade terrível, embaraçosa e complicada de se revelar.
A questão me persegue desde a infância. Quando eu era menina, me sentava em frente à TV para assistir sessão da tarde. Na época eu adorava um biscoito compridinho e recoberto de chocolate que se chamava Deditos.
Bom, o problema é que aquilo era muito bom e quando eu percebia, pimba, eu tinha comido o pacote inteiro de Deditos. Bom, na minha casa ninguém podia comer um pacote inteiro duma coisa. Como aquilo era errado, me lembro de bolar artimanhas para ninguém perceber que dei cabo daquilo sozinha. Meus truques iam desde sumir com a embalagem, colocar os restos mortais dos Deditos na cama da minha irmã, muquifar o pacote vazio no armário. Ou seja, em uma micro escala eu já mentia um pouquinho, como, aliás, faço até agora.
Eu minto, mas bem pouco. Juro.
O tempo passou, e o “pimba” continuou me atordoando.
Quando eu via, pimba.
Tinha acabado com a caixa de Bis.
Pimba.
Tinha acabado com a coca dois litros.
Pimba.
Tinha acabado com as bolinhas de amendoim.
Comecei a fumar aos 18 anos, junto com um monte de amigos. Naquela época minha irmã fumava, minhas amigas fumavam, o Zé fumava. As fumaças se embaralhavam, tudo ficava enevoado e nada de pimba. O tempo passou, meio mundo parou de fumar e eu sobrei. Um dia, sem mais nem menos, olhei o maço de Marlboro e... pimba.
Eu tinha acabado com ele sozinha.
O pior era ser casada com ex-fumante.
- Já acabou o maço? Você abriu na hora do almoço!
- Não, Zé, é que...
Parei de fumar por causa dos insuportáveis pimbas. Não agüentava mais dar desculpa para aqueles maços vazios e nem para os bilhões de bitucas que se multiplicavam. Fazia truques de novo: escondia os maços, jogava no lixo escondido, limpava o cinzeiro de meia em meia hora. Quando parei, há dois anos, foi um alívio.
Mas nesse sábado aconteceu a mesma coisa, desta vez com o vinho do São Jorge. Ó céus. Sobrou um pouquinho, e no dia seguinte resolvi tomar.
- Nossa... – falou o Zé, olhando a garrafa que eu trouxe para a mesa.
- Que foi?
- Olha o que você tomou ontem sozinha... quase uma garrafa inteira...
Mirei a garrafa, envergonhada. Tinha só uns quatro... não, digamos uns... três dedinhos de vinho. Droga, porque eu não sumi com aquilo no dia anterior? O Zé começou o maior discurso, que eu era exagerada, onde-que-já-se-viu, que tenho que ser mais controlada, blá, blá, blá.
Fiquei o fim de semana todo com essa questão na cabeça e conclui uma coisa. A gente deve fazer essas coisas erradas e gostosas, como beber, fumar e comer bobagens, sempre com um cúmplice, um parceiro, nunca sozinha. Eu não tive cúmplices no vinho do São Jorge, deu no que deu.
O que eu sinto desde menina é o incômodo de perceber a materialização do extravasamento dos meus limites. É perceber que perdi o controle, é a culpa, o medo do abismo. Quando estamos sós, os objetos do desejo, sejam eles materiais ou não, dependem só de nós. Se o líquido da garrafa diminui, é tudo culpa nossa. As embalagens vazias de Deditos ou as garrafas vazias de vinho são a concretização, a prova viva dos nossos descontroles. Concluo que tenho, desde pequena, um conflito com as embalagens vazias. Talvez seja um conflito com a solidão, não sei bem. O que eu sei é que não posso devorar as coisas, mas como é bom, devoro. Mas tem sempre aquele maldito cadáver da embalagem que volta e bóia na minha frente.
A questão me persegue desde a infância. Quando eu era menina, me sentava em frente à TV para assistir sessão da tarde. Na época eu adorava um biscoito compridinho e recoberto de chocolate que se chamava Deditos.
Bom, o problema é que aquilo era muito bom e quando eu percebia, pimba, eu tinha comido o pacote inteiro de Deditos. Bom, na minha casa ninguém podia comer um pacote inteiro duma coisa. Como aquilo era errado, me lembro de bolar artimanhas para ninguém perceber que dei cabo daquilo sozinha. Meus truques iam desde sumir com a embalagem, colocar os restos mortais dos Deditos na cama da minha irmã, muquifar o pacote vazio no armário. Ou seja, em uma micro escala eu já mentia um pouquinho, como, aliás, faço até agora.
Eu minto, mas bem pouco. Juro.
O tempo passou, e o “pimba” continuou me atordoando.
Quando eu via, pimba.
Tinha acabado com a caixa de Bis.
Pimba.
Tinha acabado com a coca dois litros.
Pimba.
Tinha acabado com as bolinhas de amendoim.
Comecei a fumar aos 18 anos, junto com um monte de amigos. Naquela época minha irmã fumava, minhas amigas fumavam, o Zé fumava. As fumaças se embaralhavam, tudo ficava enevoado e nada de pimba. O tempo passou, meio mundo parou de fumar e eu sobrei. Um dia, sem mais nem menos, olhei o maço de Marlboro e... pimba.
Eu tinha acabado com ele sozinha.
O pior era ser casada com ex-fumante.
- Já acabou o maço? Você abriu na hora do almoço!
- Não, Zé, é que...
Parei de fumar por causa dos insuportáveis pimbas. Não agüentava mais dar desculpa para aqueles maços vazios e nem para os bilhões de bitucas que se multiplicavam. Fazia truques de novo: escondia os maços, jogava no lixo escondido, limpava o cinzeiro de meia em meia hora. Quando parei, há dois anos, foi um alívio.
Mas nesse sábado aconteceu a mesma coisa, desta vez com o vinho do São Jorge. Ó céus. Sobrou um pouquinho, e no dia seguinte resolvi tomar.
- Nossa... – falou o Zé, olhando a garrafa que eu trouxe para a mesa.
- Que foi?
- Olha o que você tomou ontem sozinha... quase uma garrafa inteira...
Mirei a garrafa, envergonhada. Tinha só uns quatro... não, digamos uns... três dedinhos de vinho. Droga, porque eu não sumi com aquilo no dia anterior? O Zé começou o maior discurso, que eu era exagerada, onde-que-já-se-viu, que tenho que ser mais controlada, blá, blá, blá.
Fiquei o fim de semana todo com essa questão na cabeça e conclui uma coisa. A gente deve fazer essas coisas erradas e gostosas, como beber, fumar e comer bobagens, sempre com um cúmplice, um parceiro, nunca sozinha. Eu não tive cúmplices no vinho do São Jorge, deu no que deu.
O que eu sinto desde menina é o incômodo de perceber a materialização do extravasamento dos meus limites. É perceber que perdi o controle, é a culpa, o medo do abismo. Quando estamos sós, os objetos do desejo, sejam eles materiais ou não, dependem só de nós. Se o líquido da garrafa diminui, é tudo culpa nossa. As embalagens vazias de Deditos ou as garrafas vazias de vinho são a concretização, a prova viva dos nossos descontroles. Concluo que tenho, desde pequena, um conflito com as embalagens vazias. Talvez seja um conflito com a solidão, não sei bem. O que eu sei é que não posso devorar as coisas, mas como é bom, devoro. Mas tem sempre aquele maldito cadáver da embalagem que volta e bóia na minha frente.
Com um cúmplice é mais fácil. Como ambos mergulham de cabeça, ninguém sabe quem comeu mais ou menos, quem fumou mais ou menos, quem bebeu mais ou menos. Podemos jogar a culpa no outro, e isso resolve a questão.
- Eu convido até a empregada para tomar cerveja comigo, lúcia – me disse a minha irmã - A gente tem que dividir bebida com alguém, sempre, nem que seja com o garçom do restaurante.
Aqui em casa, o erro está no fato de eu tomar vinho e o Zé uísque. Toda vez que olhamos através do vidro do armário do bar, está lá estampado o consumo dele e o meu. É vexaminoso.
- Bebe uísque, como eu – ele resolveu quando expliquei a teoria.
- Eu? Bebe vinho você, Zé – bati o pé.
E enquanto esse impasse não se resolve, chega de vinho.
Pelo menos sozinha.
- Eu convido até a empregada para tomar cerveja comigo, lúcia – me disse a minha irmã - A gente tem que dividir bebida com alguém, sempre, nem que seja com o garçom do restaurante.
Aqui em casa, o erro está no fato de eu tomar vinho e o Zé uísque. Toda vez que olhamos através do vidro do armário do bar, está lá estampado o consumo dele e o meu. É vexaminoso.
- Bebe uísque, como eu – ele resolveu quando expliquei a teoria.
- Eu? Bebe vinho você, Zé – bati o pé.
E enquanto esse impasse não se resolve, chega de vinho.
Pelo menos sozinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário