quarta-feira, 8 de junho de 2005

franka, a ET



Era almoço de aniversário na casa de uns amigos. Uma feijoada, um dia lindo de sol. Eu e o Zé nos servimos no buffet e fomos procurar um lugar para sentar.
- Oi. Tem alguém sentado aqui? – o Zé perguntou para um casal que estava sozinho numa mesa.
A moça, que estava de costas, se virou.
- Olha só! Oi, Lúcia, oi Zé!
Era uma conhecida nossa. Estava com o atual marido, que não conhecíamos ainda, e que ela prontamente apresentou.
Nos sentamos. O Zé rapidamente engatou numa conversa de “homens” com o novo marido e eu e ela começamos a falar daqueles assuntos fáceis e idiotas de mulher doismilianas: “os seus meninos estão bem?”, “você está morando aonde?”, “ah, reformou a casa?”...
Foi quando ela começou a me contar novo casamento.
- É maravilhoso recomeçar tudo do zero, não acha? Casa nova, marido novo...
- Deve ser, eu não sei. Eu nunca me separei – expliquei para ela - Casei com o Zé e estou com ele até hoje.
- Nooossa - ela arregalou um olhão - Quanto tempo de casada?
- Hum. Dezoito anos, acho. Deixa eu fazer a conta certa...
A mulher deu um berro. Era daquele tipo de mulher que falava encompridando as vogais.
- Uau! Incrííível! Faz muito tempo que eu não vejo isso!
- Hã?
- É fantástico, lúcia! Dezoito anos? Vocês devem ser suuuper analisados. Porque olha, minha filha, dezoito anos de casado não é naaada fácil... precisa de muita, muuuita análise, né?
- Errr... – eu fiquei meio embaraçada – Bem, nem eu nem o Zé nunca fizemos análise.
A moça deu outro berro, mais escandaloso ainda. Ai que vergonha.
- O quêêê? Nunca fizeram análise? Nunca mês-mo? Uau, que maluquiiiice – e ela começou a rir de nervoso, pasma – Hahaha, agora só falta você me falar que vocês nunca tomaram um antidepressivo, hahaha!
Saco, alguém já sentiu vergonha de ser normal?
- Bem, olha... errr... Eu nunca tomei não.
Ela largou o garfo e colocou as mãos na cintura, numa pose de açucareiro.
- Ô lúcia. Peraí. Primeiro casamento. Dezoito anos. Nunca fizeram análise. Nunca tomaram um anti depressivo. Escuta uma coisa.
- O quê?
Ela ficou pensativa, me olhando de cima a baixo, feito uma extraterrestre. Eu me senti envergonhada, desenturmada e completamente deslocada. Aquela mulher tão analisada, tão casada, tão depressiva e com vogais tão compridas parecia ser muito mais interessante que eu.
- Não é possííível! Acho que nem sei como falar com você. Em que mundo você vive?
Olhei o Zé meio de lado. Ele estava numa conversa animada com o novo marido dela. Nunca me senti tão confusa e tão sem graça com minha normalidade.
Sei lá. Em que mundo nós vivemos, hein, Zé?

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