quarta-feira, 11 de maio de 2005

o erro, o sapo e o grau de exigência baixo



Gente, preciso confessar uma coisa.
Meu grau de exigência é baixíssimo nas coisas que eu faço.
Pode ser que seja coisa de signo, pode ser que seja por causa da minha impaciência, pode ser porque eu seja ansiosa. Mas percebi uma coisa curiosa: quanto mais eu abaixo meu grau de exigência, mais eu fico mais feliz e mais coisas eu produzo.
Daí vem mais felicidade.
Daí eu produzo mais.
É uma coisa que roda, entende? Um... círculo de exigência baixíssimo. Olha, dava até para desenhar, mas agora não vem ao caso o desenho. Eu queria explicar a coisa.
Tomemos, por exemplo, o meu já famoso tricô. Ontem, por exemplo, eu me sentei em frente à TV e comecei a tricotar, distraída. Tenho um fraco por programas humorísticos de quinta categoria, tipo a “Praça é nossa”, “Casseta”, “Zorra Total”, “Chaves”, essas coisas. Cada um com seu defeito, que fazer? (o Zé, por exemplo, tem fraco por programas de compras, precisa ver as coisas que ele já adquiriu nas suas madrugadas insones). Bom, lá estava eu tricotando diante do Casseta e Planeta, toda feliz da vida. Num dos acessos de riso, pimpa, errei um ponto. Só fui descobrir na carreira seguinte. “Droga”, pensei, quando vi aquele pontinho mínimo no lugar errado.
Imediatamente minha mente olhou ao redor, olhou a tv, olhou o tricô e avaliou: “Ah. Um errinho de nada, lúcia. Se você desmancha? Claro que não, ninguém vai ver...”. E assim suspirei toquei para frente. Tava engraçadíssimo o programa.
É muito esquisito pensar sobre isso. Imaginar que o erro está lá, que foi culpa nossa e que não vamos arrumar é uma decisão e tanto. A gente, mulher, tem culpa de tudo. A culpa feminina é como uma segunda pele, grudada na gente para sempre. Pode parecer desleixo, pode parecer mentira, pode parecer desmazelo. Ainda mais para mim, que sou mãe, que tenho que dar exemplo, fazer as coisas certinhas, trololó. Daí pra vida virar um inferno é um pulo, sei disso. E nessa hora eu penso que um pontinho errado é uma coisinha tão à toa...
O incrível não é o erro não incomodar, mas conseguir conviver com ele ao longo da vida. Fazer desaparecer um erro que está nítido diante dos seus olhos é, talvez, o oposto da paixão. A gente se apaixona, e, cegos, achamos o feio um verdadeiro príncipe. Depois, com o tempo, aparece o sapo. Nesse caso é o contrário. É como olhar o sapo, nem dar bola para a feiúra e achar que ele é um príncipe fantástico e deslumbrante.
É uma decisão complicadérrima, essa de não desfazer o tricô. É pura filosofia. Decisão de vida. Acho que, de novo, vou ter que dividir o mundo em duas partes, (além dos com bidê e sem bidê): as pessoas que desfazem o tricô e as que não desfazem o tricô.
Isso é ainda mais terrível se pensarmos que eu sou filha da minha mãe, uma mulher que faz tricô tão bem. Mas talvez os tricôs da minha mãe sejam diferentes dos meus. Os tricôs dela são tricôs poéticos, e os meus são apenas desestressantes, como a “Zorra Total”.
É. Talvez na poesia eu não aja assim. Na poesia, nos textos, na literatura, eu sou exigente e nem percebo. No resto, deixa para lá.
Assim, faço tudo mais ou menos e fico toda feliz. Cheia de erros, cheia de sapos, cheia de programas humorísticos de quinta categoria. Meus bolos nunca ficam deslumbrantes, minhas festas sempre dão meio errado, minha casa nunca está impecável.
Pensando bem, acho que isso não é um problema. É uma dádiva divina.
E viva o grau de exigência baixo!

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