quarta-feira, 26 de novembro de 2008

uma tal de calça samuel


- Mãe, já que a gente tá aqui no shopping, podemos comprar uma calça? - falou um dos meus filhos.
Há tempos que não gasto dinheiro com roupa pra eles. Na verdade, acho que as pessoas do mundo hoje tem roupas demais. Um dia achei que eu tinha roupa demais, que o Zé tinha roupa demais, que os meus filhos tinham roupas demais. Todos tínhamos roupas demais e depois ficávamos reclamando que faltava armário aqui em casa. Então há uns anos eu... eu... bem, eu meio que parei de comprar roupa.
- Gente, vamos pensar. Quando as que vocês tem estragarem, a gente compra mais. Vamos somente substituir - eu declarei - A calça rasgou, jogamos fora. O sapato está sem sola e o sapateiro disse que não dá mais pra arrumar? Ai compramos outro. A blusa virou um trapo? Só nesses casos. Não é uma questão de pão-durismo, isso é ser razoável e inteligente. Não adianta nada separar lixo, reciclar tudo e acumular camiseta. Não tem lógica isso. É que, pensem, roupa não apodrece, não embolora em uma semana assim como comida. Se roupa fosse como carne moída, que não dura muito, ninguém tinha tanta. A gente tem roupa que não usa quase nunca. Um exagero.
Acertei os detalhes com todos eles. A Luciana, que é menina, tinha que ter um pouco mais de roupas e acessórios, afinal, é menina. O João, que treina basquete, tinha que ter as roupas normais e os uniformes, tudo em boa quantidade. O Chico, que tá na faculdade de direito, tinha que ter ao menos uma roupa formal para as ocasiões importantes. E o número básico de roupas de cada um tinha que estar de acordo com o processo de lavagem/ secagem e passagem da Maria.
- Então, mãe, e a minha calça? - insistiu um dos meninos - As minhas calças já estão todas meio furadas e rasgadas. Posso comprar outra?
Entramos na loja do vendedor que sempre me cumprimenta com beijo-beijo. Oi, beijo-beijo-lúcia, oi, beijo-beijo-vendedor. Experimenta aqui, experimenta ali, quando meu filho vira pra o vendedor, com a maior cara de pau, e lasca essa:
- Ô moço. Você tem calça Samuel?
Meus filhos são assim. Eles fazem uma gracinha entre eles, riem, riem, e depois tentam com os outros. Os outros não entenderem é a melhor parte. Eles adoram trocar o nome das coisas, sutilmente, e fingir que não sabem o nome certo. Como se fossem uns caipiras-desavisados. Mas eles sabem muuuito bem. E agora existe um modelo de calça que se chama calça Saruel. É um modelo que tem um cavalo lááá em baixo. Parece um saco, mas dizem que é super confortável.
- Calça o quê? - perguntou sem graça o vendedor que beija-beija.
- Calça Samuel, moço.
- Samuel? - disse o moço, confuso.
O outro filho interveio.
- É. Calça Daniel, moço.
- Daniel?
Eu entendi a piadinha na hora, mas resolvi ver até onde aquilo ia.
- Calça Rafael, não tem calça Rafael aqui? Ou é calça Manuel que chama, moço? Sério que não tem? Aquelas, que tá na moda agora?
- Chama Samuel mesmo - insistiu o outro filho - Cal- ça - sa - mu - el, ô moço.
O vendedor deu um risada sem graça. Coitado. O menino pegou uma calça do cabideiro.
- Ah, tem sim. Olhaqui uma calça Samuel!
- Ah! Isso é uma calça Saruel! - o beijoqueiro explicou, aliviado.
- Isso - o meu filho disse, era essa que eu estava pedindo mesmo, uma calça Samuel. Vou experimentar.
- É Saruel que fala... errr... Sa-ru-el, Saruel! - tentou o vendedor, atrapalhado, achando que não tinha boa dicção.
Depois de um tempo, o Zé, que estava em outro lugar, entrou na loja pra encontrar com a gente.
- E ai, já compraram a calça? Tudo resolvido?
- Pai, vou comprar uma calça Samuel - o menino disse, rindo.
- Ual, filho. Que chique! Uma legítima Samuel? Hummm, que moderno...
É. O Zé adora essas piadas também. O vendedor me olhou e coçou a cabeça.
- É... é uma brincadeira de vocês, né? Uma pegadinha, né?
- Mais ou menos... - confessei - bem, e quanto custa essa... legítima Samuel?
- Perai que vou ver... a Samuel custa... custa...
Hahaha. Demorou, mas o cara entrou na piada. E duvido que ele esqueça do novo nome da calça.

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