Queria aqui colocar uma questão que me surgiu semana passada. É a questão do tempo certo de certos atos, principalmente do ato específico de presentear. Bem, eu trabalho com diversas equipes de arquitetos e engenheiros, pois faço coordenação de diversas obras. Numa dessas equipes, no natal, os engenheiros da obra presentearam cada um dos arquitetos com uma garrafa de licor. Eu, por ser coordenadora, também ganhei uma.
Porém, na reunião onde foi feita a entrega, uma das arquitetas não estava presente. Uma colega dela ficou com a garrafa embrulhada e se encarregou de entregar quando a encontrasse.
Na reunião seguinte, ouvi a conversa das duas sobre o presente.
- Estou com o seu licor, Célia. Esqueci de trazer, puxa.
- Não tem problema, Sônia - disse a outra.
Na reunião seguinte, a mesma coisa.
- Putz, teu licor, Célia. Esqueci de novo de trazer. Juro que levo na obra na semana que vem.
Na semana que vem, na obra, a história foi a mesma.
- Oi Soninha. Trouxe meu presente?
- Ai, não, de novo. Parece piada.
- Você não bebeu tudo, não, é? – brincou a outra.
Bem, estamos em outubro, e, de acordo com a conversa que ouvi das duas numa reunião na semana passada, o licor ainda não foi entregue.
- Não acredito – cochichei com a Soninha – Você esqueceu de novo o licor da Célia?
- Que droga – falou a arquiteta – Isso está virando um pesadelo para mim. Não deveria nunca ter ficado com a garrafa. Está lá no armário embaixo do meu bar, esquecida. Que eu faço?
- Não entregue mais - eu disse a ela - fale que agora passou o tempo e pronto.
Ela levou um susto.
- Como? Será que não pega mal?
Sinceramente, gente, não acho que pegue mal não. Acho que todo presente tem um tempo para ser dado, e depois disso, mica. Um presente não-dado, depois de um certo tempo, não tem mais dono. Não é do presenteador e nem do presenteado. É um objeto do mundo, perdido no tempo-espaço, sem existência porque não tem mais nenhuma função. Assim sendo, na minha opinião devemos socializar os presentes não dados. Devemos torná-los do mundo, não da pessoa que deve ser presenteada e nem da que comprou. O timing errado elimina a autenticidade do ato de presentear. Esse licor já passou do tempo de ser da dona dele. Isso já aconteceu diversas vezes aqui em casa com alguns presentes de casamento: eu saio, compro um presente, e, como odeio listas e lojas indicadas pela noiva, acabo comprando coisas bacanas que compraria para mim nos lugares que bem entendo. Trago para casa e falo pra o Zé que temos que entregar para os noivos naquele fim de semana, ele concorda. Bom, é sempre a mesma história: acabamos deixando o tempo passar, o presente fica semanas embrulhado na sala, a Maria guarda na rouparia, e, depois de seis meses, resolvo que aquilo nunca mais vai ser dado, desembrulho e olho, confusa. Que fazer? Coloco na sala? Levo pra minha mãe? Dou para a Maria? O timing passou, gente. Aliás, timing é tudo nessa vida.
- Isso também acontece com freqüência com alguns presentes de natal - conclui, explicando para a arquiteta a minha teoria.
- Acabou o timing do licor? É isso?
- Sim. E aliás, Soninha – completei – Lembrei que comprei um presente de aniversário para voce esse ano. E...
- Para mim? Jura? E onde está?
- Também não foi entregue. Problemas de timing.
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