quarta-feira, 28 de junho de 2006

muros nada neoclássicos




Minha rua tem só casas e 5 quarteirões. Dessas, somente quatro ainda não tem muro. Nos últimos seis meses, foram construídos seis muros na minha rua. Estão em obras atualmente dois.
É o medo de assalto. Tá tendo muito assalto por aqui.
Claro que isso muda o espaço do bairro. Primeiro que você não participa da vida do vizinho, não vê se ele está vendo TV, se está na sala, se tem festa, se chegou, se o carro está na garagem. Depois porque os espaços da rua e das praças ficam isolados e silenciosos. Estranha essa coisa do muro.
Por causa disso, esses dias o Zé encasqueteou de fazer uma campanha anti-muro.
- Campanha anti-muro, Zé?
- É. Não é legal? “Tire seu muro”.
- Zé, as pessoas colocam muros porque tem medo de ficar sem muro. As pessoas não acham “legal” ficar sem muro. Dãrrr.
- Medo? Então a campanha pode ser mais agressiva: “não seja um covardão, tire seu muro”. Vamos tirar o nosso e colocar uma placa na porta da nossa casa. “Tiramos o muro e não temos medo de vocês”.
- Vamos ser assaltados no dia seguinte! Além disso, corremos o risco de ser pixados: “ô seus trouxas!”.
- Não teremos muro para pixar, hahaha.
Duvido que eu tenha coragem. No final das contas, mesmo sabendo disso tudo e concordando com ele, eu sou mãe e tenho medo. Nessas horas não adianta nem tentar colocar a razão na frente da emoção. É uma droga, mas desde que fomos assaltados aqui que temos muros e alarmes e botões de pânico e cerca elétrica, além de um esquema super confuso de chaves e grades pantográficas. Eu não acreditava em nada disso até que me vi de madrugada com uma faca no pescoço e aquilo foi traumatizante demais para ficar teorizando sobre liberdade e cidadania. Volta e meia tenho vontade de ser mais livre, queria arrancar toda essa porcariada da minha casa, mas fazer o quê.
Não tiro não.
Penso que todo esse medo que assola os bairros de São Paulo não vem a tôa. Vou fazer aqui uma associação meio boba, mas acredito em associações bobas. Pensemos. O medo vem por causa da criminalidade. A criminalidade vem por causa da riqueza ou ao menos pelo que os bandidos acham que é riqueza. Ora, de uns tempos para cá o meu bairro passou a ser assolado – como eu disse há dois dias atrás – por prédios, casas, vilas e condomínios horizontais neoclássicos. Nas propagandas e na estética, aquilo é coisa de milionário. Bilionário. Trilionários.
Claro que não é nada disso. Os apartamentos são metidos a chiques, mas são petiticos e mal feitos. É tudo fake, mas assim como a propaganda engana quem compra, engana também aos bandidos. Assim, acho que de uns tempos para cá, na cabeça de um bandido, quem mora aqui é arquiputzmilhardário. O meu bairro virou, na cabeça deles, um bairro de gente muuuito rica - e não importa se tua casa nem é neoclássica, afinal, se você mora ao lado você também deve ser. Resumindo, o assalto da minha casa foi culpa do neoclássico, que trouxe pra o bairro um pseudo-clima “chique”.
Tá, posso até tirar o muro. Mas vou fantasiar a minha casa e fazer uma fachada de uma botequinho beeem vagaba. Só assim.

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