quinta-feira, 6 de abril de 2006

dezessete



Fui ver uma peça que gostei muito. Chama-se 17 x Nelson. São 17 cenas de 17 peças do Nelson Rodrigues em uma montagem muito legal. Tudo era bom. O modo como as peças se encaixavam, os atores, a interação entre eles, o cenário, o texto, o figurino, a montagem, o clima. Disseram que era um pouco longa, mas não notei. Nem tive vontade de comer bala, o que para mim é sempre o sinal da minha própria dispersão.
Além disso, a peça tem um ator que merece um aplauso, chamado José Ferro. Afe, gente. Eu gamei nele. O homem é muuuito bom. É baixinho, pequeno, mas quando começa a atuar vira um gigante monstruoso – o que confirma minha teoria que diz que “ser gigante” não tem absolutamente nada a ver com “ser grande”. Ele não atua. Ele está lá e é o que faz. É estranho como alguns atores tem essa capacidade de tornar a cena muito mais real que a realidade. E, além de excelente ator, ele tem uma voz de arrastar um quarteirão.
Isso que eu falei, de tornar uma cena mais real que a realidade, não tem a ver só com teatro. Tive um amigo que fazia isso com a vida dele e as nossas. Ele estava sempre tão dentro, mas tão dentro da realidade que a transformava sem perceber. A nossa memória de alguns fatos, até hoje, mais de dez anos depois da sua morte, foi ele que criou. Não sei se me explico. Podíamos estar numa fila chatérrima de cinema: ele começava a falar, dar idéias ou dar risadas. E vivia com tanta vontade e graça aquele momento, que toda a vez que voltávamos ao mesmo lugar lembrávamos dele. Era como se conseguisse inventar teatros muito melhores que a realidade.
Foi isso que eu senti vendo o J. Ferro. As histórias do Nelson R., quando ele entrava no palco, eram outras histórias. Ele conseguia ser o ator, o Nelson e nós. Talvez seja essa a diferença.
Mas eu queria falar uma outra coisa. Essa é segunda peça que eu vejo que tem diversas cenas entrelaçadas. Eu fico aflitíssima com isso, mas acho que é mais um problema meu do que uma crítica. Pode ser até por causa do meu blog: aqui eu faço – juro – o maior esforço para escrever somente sobre um assunto de cada vez. Sempre tenho muitos, minha cabeça é meio desconcentrada e muitas vezes quero falar de uma, duas, três coisas ao mesmo tempo. Daí eu respiro fundo e falo: “êpa... uma coisa de cada vez, dona lúcia, senão você soterra o leitor...”.
Claro que isso é coisa minha, pois minha cabeça que precisa de um mínimo de organização, mas essa foi a única coisa que me atormentou na peça: essa coisa de colocar toda a obra do Nelson R. junta.
No fundo, confesso: achei uma indecência. Ô gente. Colocar toda a vida do Nelson R. assim, enfileirada, tadinho. Ele é de outra época, e essa rapidez a que estamos acostumados não existia na obra dele – aliás, nem computador, olha ele ali em cima, na foto, com sua máquina lenta naqueles plec-plec-plecs... De um certo modo, quando tudo acabou, me pareceu que colocamos o nome “Nelson Rodrigues” na procura do Google e vimos surgir tudo aquilo na nossa frente sem dó nenhuma.
Eu sei que esse é nosso mundo, fazer o quê. Mas isso, de um certo modo e na minha humildérrima opinião, além de vulgarizar cada uma das cenas, histórias e tramas, torna uma obra gigantesca muito... pequena. É, o contrário do que eu falei acima. Não que juntas as cenas não tenham a ver. Elas têm, obviamente. Mas apertar tudo em duas horas, não sei porque, me pareceu errado. Nas peças inteiras, as cenas são importantes justamente porque se espera mais de uma hora para acontecer. Isso no teatro e na vida: desde que o mundo é mundo que é assim: torne uma coisa difícil de conquistar que ela terá outro sabor.
Pois é. Apesar da maravilha da peça, do meu encantamento total e absoluto com o José Ferro, eu fiquei soterrada pelo Nelson R.

Tá vendo? Falei de um assunto só.

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