quarta-feira, 29 de março de 2006

o dinossauro



Senti que ele não estava legal. Saímos de uma obra de manhã e ele começou a tossir. Depois teve um engasgo horrível, parecia que ia morrer. Não estava andava direito também – dava umas paradas, era como se arrastasse.
Detesto quando sinto que o carro vai quebrar. Me sinto completamente sem mão nem pé, não sei o que fazer. Mas ontem não teve jeito. A tosse foi piorando, a falta de força idem, o carro capengava e nem conseguiu chegar até o mecânico. No meio do caminho, ferveu. E pra piorar a coisa, a tampa do capô quebrou e não abria de modo algum para esfriar. Levei um susto. Afinal, fumaceira + tampa travada = bomba. E eu ainda não me recuperei do trauma da uma panela de pressão. Peguei o telefone.
- Zé, se eu for devagar ele chega até o mecânico, mas está saindo muita fumaça.
- Pára o carro. Vamos chamar o guincho.
Ter um carro tem suas vantagens, mas as desvantagens são imensas. O pior é que carro é como filho: depois que você passa os percalços, você se esquece completamente e passa a amá-lo de novo. Não sei se é instinto de sobrevivência, necessidade ou pura paixão. Mas a mente simplesmente apaga esses chatérrimos problemas automotivos da memória. E no dia seguinte você está de novo todo feliz ao lado dele e nem pensa em abandoná-lo.
O problema de um carro quebrado, pra mim, não é exatamente ficar sem carro. Eu me viro muito bem de ônibus, táxis ou a pé. Aliás, adoro a liberdade de não precisar estacionar. Não sei porque fazem carros tão grandes – reparem, enquanto os celulares e computadores encolhem a cada dia, os carros se agigantam. Tem horas que teu carro vira um dinossauro. Um bicho enorme, inadequado e que depende de você.
Porque cá entre nós, gente. Carro é um trambolho. Um trambolho de marca maior. E quebrado então, é como se o tal dinossauro morresse na porta da sua casa. Você não agüenta carregar, não sabe o que faz, não consegue sair e não consegue esquecer.
Pesadelo.
Foi assim que me senti ontem. Acho uma loucura, um exagero precisar de um guincho. Um guincho é um caminhão imenso, é uma coisa descomunal.
Mas ele veio e levou para a oficina o meu dinossauro morto e quase explodindo. No final da tarde, liga o mecânico.
- Oi, dona Luiça.
- Oi, Altair. Que houve?
Ele suspirou. Ia começar o teatro.
- Ichi. O problema foi no catalisador do carro da senhora que é uma peça que sai do coletor na parte interna em baixo atrás e dentro tem uma cerâmica e essa cerâmica esquentou e torrou a forração que pegou fogo mas a tampa que estava com o pino quebrado não tem nada a ver com isso mas em todo o caso precisaremos trocar também.
- Hã?
- Um catalisador novo custa... – dona Luiça, a senhora tá em pé? – custa mais ou menos um mil e novecentos e setenta e sete reais a senhora veja que absurdo mas peça nova é cara mesmo isso fora o serviço.
- Altair, pode ficar com meu carro. Adeus.
- Mas eu posso dar uma arrumada na cerâmica no catalisador e colocar em baixo um diferente e trocar a forração por uma antichama e arrumar o capô trocando o pino e o carro fica novo de novo.
- Hã?
- Assim sendo, tem cinqüenta e seis mais noventa e sete mais sessenta e um mais cento e dezenove mais a mão de obra e fica tudo por quinhentos e trinta e quatro.
- Você tá maluco? Acha que eu tenho sobrando esse dinheiro? É o preço de uma televisão, Altair.
- Posso dar um desconto e a senhora paga em três vezes.
Óbvio que voltei pára a época dos dinossauros. Tudo no mundo atual, tão virtual e civilizado, tem sua lógica, sua razão, seu entendimento - menos a tua relação com um mecânico de carros. Desde que me conheço por gente que negocio no escuro com mecânicos. Me sinto uma jogadora de pôquer em pleno blefe. O pior é que nem sei por onde começar. Que diabos é uma cerâmica de catalizador?
Supirei.
Eu precisava tirar o meu dinossauro morto de lá.
- Baixa mais e me deixa pagar em 4 meses, Altair.
Também, gente, dane-se. A gente tem problema demais para resolver o mundo.
E assim hoje eu estou um pouco mais pobre e a pé.
E tadinho do meu dinossauro...

Nenhum comentário: