quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

sacada



Ligou um dos meus marceneiros. Discutíamos um corrimão, um guarda corpo que ele estava orçando para uma casa. No meio da conversa, sei lá porquê, ele me fala o seguinte:
- Olha lúcia, vou te falar uma coisa. Quando eu vou num terraço de um prédio alto, numa sacada qualquer, eu... eu...
Eu me adiantei.
- Você tem vertigem? Pois eu tenho, sei como é. Basta chegar perto do corrimão que minha barriga gela e minhas pernas bambeiam.
- Não é isso. É uma coisa muito pior, pois é um pensamento – ele disse, gaguejando - Eu olho a bordinha, sabe, a bordinha do terraço? O limite entre o piso e o nada? Eu olho para aquele lugar e penso: daqui para cá é a vida. E daqui para lá é a... morte. A morte, lúcia.
Eu me assustei. Nem conheço o homem direito, só conversamos sobre orçamentos, detalhes e entregas. Aquele rumo de conversa estava me parecendo completamente inadequado. E perigoso. Sei lá, essa coisa de vida, morte, muito pensamento.
- Nossa, credo. Mas porque você pensa nisso? – eu desconversei, rindo.
- Ah. Não sei, lúcia, mas acho importante lembrar isso sempre. Que a gente tá sempre perto, muito perto dum enorme buracão. E que a gente fica vivo só porque quer, só por isso.
Fala se as pessoas não são todas meio malucas.
- Bem. Pois então construa belos corrimãos para poder apreciar a vista – desconversei.
Minha observação foi meio boba, mas achei interessante a filosofia marceneira.
Porém, pensando bem, acho que tenho que arrumar outro marceneiro. Os guarda corpos desse homem, que vive assim entre a vida e a morte, provavelmente vão custar uma fortuna...

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