segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

iJap


Foi ontem pela amanhã. Acordei cedo, e para não atrapalhar ninguém, resolvi ler o jornal ouvindo música no meu iPod.
Afinal, eu tenho um iPod. Maravilha.
Nada é melhor que um iPod para transformar serviços domésticos num... prazer inexplicavelmente maravilhoso. Agora eu passo a parte chata do domingo completamente feliz. Nada como ouvir iPod para lavar a louça, por exemplo. A gente esquece do mundo. Aquela água caindo, aquela música tocando.
Mas voltemos ao jornal e à música. Bom, uma hora eu me cansei um pouco da leitura e passei a mexer no iPod. Estava distraída, era domingo e passei a apertar uns botões aqui e ali, pensando na vida. Brincando. Música, intérpretes, extras, compilações, trololó, listas, trololó, trololó.
Lembrei de um amigo que me disse para usar inglês ao invés de português no idioma do iPod. Segundo ele, o português do iPod é de Portugal, e por isso tudo fica estranho. E, por uma dessas coisas que a gente nunca vai entender, ou melhor, vai, porque eu sabia que aparelhinho era meu e eu faço com ele o que bem entendo, achei a página dos idiomas e passei a trocar para ver como era. Para ver se era melhor colocar inglês ou português de Portugal, para ver como ficava em espanhol ou alemão, para... ah, para nada, gente.
Era domingo de manhã, ora.
Mas eu não sou tão craque e não tinha a menor idéia do perigo que corria. Sim, porque eu estava na beira de um abismo perigosíssimo. Vocês não imaginam, eu não imaginava.
E, obviamente, tropecei e... pimba.
Cai.
De repente todo meu iPod estava em... japonês.
Japonês!
Gente, de um instante para outro, nenhuma letra ali dentro estava em um alfabeto nosso. Tudo, absolutamente tudo ficou em japonês. E eu não sei e nem conheço uma única letra de japonês. Aliás, nem sei se aquilo é letra, palavra, sílaba ou apenas desenho. E, por estar tudo em japonês, eu não tinha a menor idéia de onde eu estava e como eu fazia para voltar. Meu Deus, que pesadelo. O que fazer? O pior foi que, no desespero, eu passei a apertar os dois únicos botões do aparelho, o do menu e o que sobe e desce desesperadamente. E me perdi mais ainda.
Depois de uns trinta segundos me debatendo, tive certeza.
Dancei. Que burrada.
Desliguei e liguei o aparelhinho de novo. Quem sabe aquilo voltava ao normal? Quem sabe eu acordava?
Nada.
Lembrei de uma história do Edu, do Itamambuca. Ele que me corrija se eu contar errado. Um dia ele fez uma viagem à Grécia, e, ao invés de ir do aeroporto direto para o hotel, pediu ao táxi para deixá-lo numa praça para passear. Como ele tinha um mapa no guia e tinha o nome do hotel, depois do passeio ele iria para lá a pé. Passeou, passeou, até que descobriu que não era tão simples assim: o mapa e o nome do hotel estavam no nosso alfabeto, mas todas as placas e referências da cidade estavam escritas em alfa-gama-beta-e-tal. Era grego! Mesmo que ele estivesse em frente ao hotel, ele jamais saberia se era a rua certa. E nem mesmo se o hotel era hotel!
Bom, eu me senti mais ou menos assim com meu iPod nipônico, que virou iJap. Eu estava num mundo sem placas, sem referência alguma. Olha, nunca pensei que a gente pudesse se perder em letras misteriosas. Aí foi que eu entendi: para caminharmos dentro de um mundo virtual temos que ter acesso aos códigos, é isso que fazemos o tempo todo: abrimos as portas, conhecemos os caminhos. Andar num iPod, num micro ou num palm é como andar numa cidade, é como fazer compras, é como visitar um museu. Sem códigos é absolutamente impossível ficar ali.
E eu, por uma distração do acaso, me perdi.
Sem dicionário.
Suspirei fundo. Era melhor pensar antes. Mas a pergunta era uma só: será que, se eu conseguisse chegar novamente naquela página dos idiomas, ela estaria em português ou japonês?
Só tentando.
Bom, desci, fiz um café e me sentei com o aparelho. Suspirei fundo e fui do zero, entrando em todos os lugares possíveis. Um a um, tentando memorizar o desenho dos lugares onde já tinha estado. Tudo japonês, tudo japonês, tudo japonês. Mas fui descendo um a um, mudando de páginas devagarinho. Até que consegui. Digamos que demorei quase uma hora, digamos que acabou a bateria do aparelho e tive que recarregar, mas agora ele está devidamente em português. E eu me livrei do pesadelo de estar num mundo sem referências.
Nossa. Como as nossas letras são importantes.

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