segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

bons ventos



Olha, depois do final da crônica de ontem parecia que eu ia viajar, né?
Que nada.
Fico por aqui, derretendo nesse calor de São Paulo.
Olha, os cariocas, baianos e nortistas que me perdoem, mas São Paulo é a cidade mais quente do Brasil. Acho que é porque ninguém põe fé no calor paulistânico, nem nós, os moradores. Assim, nunca estamos apropriados à quentura da cidade. Nossas casas não têm ar condicionado, nossos carros idem, nossas roupas são mais fechadas, usamos meias, não ficamos de maiô, a cidade não tem nem por onde o vento circular. Acho que a gente não acredita no calor. E quando ele vem, pega de surpresa.
Sexta passada eu estava assando aqui. Eu trabalho em casa e janela da sala onde fica o meu escritório recebe sol a tarde toda. É um tipo de forno tropical. Tem dias que me sinto um... um... bacon.
Já tentei sombrear a janela de diversas maneiras. Comecei colocando uma cortina, mas ficava muito abafado. Troquei a cortina por uma persiana que me permite direcionar a luz e ventilar, mas não posso mantê-la fechada o tempo todo e o sol acaba entrando. O ideal seria fazer uma pérgula no jardinzinho que tem lá fora, mas é caro demais. Anos atrás tive a idéia de plantar uma árvore no tal jardinzinho. Ela faria uma sombra natural.
- A senhora não pode plantar uma árvore muito grande por causa das raízes – explicou o jardineiro – O espaço é pequeno e perto demais da casa e do muro.
Oquei. Ele plantou uma arvorezinha menor, mas ela já está aqui há cinco anos e nada de sombra. Acredito que nem árvore é: parece um arbusto e é menor que eu.
Ano passado, cansada de esperar essa árvore crescer, resolvi plantar uma trepadeira na janela. Ela se enroscaria nas grades e eu teria uma bela sombra aqui dentro.
- Lágrimas de Cristo – resolveu o jardineiro – Além de sombra, ela dá flor, dona Lúcia.
Achei ótimo. As tais Lágrimas de Cristo cresceram rápido, tomaram conta da janela toda e... infestaram o escritório de pernilongos.
Céus.
Além disso, meu escritório ficou esquisito, escuro, parecendo mal assombrado. Não sei, tinha algo de “Jumanji” naquilo, resolvi tirar rapidinho.
E porque não colocar um ar condicionado? É caro, mas eu poderia pagar em vezes, pensei outro dia. Bem, só pensei. É que eu sou mãe, e tem a culpa. Imagina, só eu na casa com ar condicionado? Mães em geral são assim, sempre as últimas a ter as coisas, é uma coisa ancestral essa de sofrer um tanto. Impossível eu ter um ar condicionado antes de todo mundo: eu teria que colocar primeiro no quarto dos três filhos, depois na sala e só depois aqui. Não, não. Ia sair muito caro aquele ventinho gelado.
Resolvi aguentar assim mesmo, não me mexer e nem falar muito. É, gente, essa é uma teoria que tenho desde pequena. Quando se trata dessas sensações incômodas, frio, calor, fome, cansaço, acredito que o ideal é não se mexer e não falar na coisa. Acho que quanto mais se comenta, mais se fala ou mais se reclama, mais a coisa piora. O ideal é ficar caladinha e deixar a coisa quieta. Basta olhar os gatos, os cães, as plantas no sol. Tudo parado.
Assim, tenho passado meus verões aqui derretendo, sem me mexer e falando o mínimo possível. Como se eu fosse um... um... jacaré no meio do pantanal ou um cacto do deserto.
Na semana passada apareceu um engenheiro para fazer uma reunião.
- Entre – disse a ele – Quer um café?
- Quero – ele respondeu, olhando ao redor - Lúcia, mas que calor é esse? Como você agüenta?
Suspirei, e, sem me mexer, expliquei. A árvore, a pérgula, a trepadeira, a persiana, a teoria da hibernação dos jacarés, os cactos, a culpa das mães. E conclui teorizando.
- Não acha que os computadores deveriam ter ar condicionado embutido para refrescar a pessoa que usa? – brinquei - Ninguém pensa no conforto de quem está do lado de cá da virtualidade.
- Não delira, Lúcia... – ele me disse, suando – Mas pense, você tem iPod, webcam, câmera, micro, blog, caramba a quatro e não tem um reles... ventilador? Compra um ventilador, pô! Tão fácil, baratinho. E depois que você refrescar bem a cuca você pensa uma teoria melhor sobre a os computadores e o condicionamento dos usuários.
Olhei para ele.
Nossa. Um ventilador. Como não pensei nisso antes?
Bom, comprei. Aqui está “ele”, e como é fantástico ter um reles... ventilador. Ele não tem memória nenhuma, nem nenhum giga e é todo feito de plástico.
Mas venta tão forte...
Como não pensei nisso antes?

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