quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

a "amiga"



Foi no shopping, mas poderia ser em qualquer lugar. Eu estava fazendo compras quando ela me viu, abanou as mãos e veio na minha direção, sorrindo.
Era uma amiga de anos e anos. Fazia tempo que não nos víamos, e, embora eu não seja boa de conversa mole inesperada, gostei de vê-la. Encontrar amigos de repente é estranho. Eu costumo falar um pouco de asneiras e muitos lugares comuns.
- Oi Val, tudo bem?
Começamos a conversar. Sabe aqueles começos de conversa que prometem? Era mais ou menos assim que eu começei a me sentir ao lado dela. Sem querer engatamos num assunto interessante, o que me surpreendeu muito, e a conversa ficou ótima. Eu não esperava por aquilo. Geralmente meus encontros com amigas antigas ficam em “nossa, que legal” e “como vão as crianças que idade tem onde estudam e você ainda está casada?”. Puxa vida, pensei, mas até que é legal encontrar pessoas que a gente não vê há tempos.
É uma teoria. Vez ou outra é bacana encontrar pessoas mais afastadas ou até desconhecidas. Pessoas que a gente conhece de longa data tem um peso muito grande, nos trazem uma memória imensa. As vezes não queremos tanta coisa, às vezes a fome é e conversa mole, de bate bola sem compromisso. É vontade de solidão com companhia. Com amigos de longa data as conversas são sempre cheias de passado. Uma amiga me disse que amigos antigos vêem igual a você, e que é preciso olhar diferente vez ou outra. Ter amigos novos é olhar a gente mesmo com outros olhos.
Bem, voltemos à minha amiga do shopping. Anos e anos que eu não a via, encontramo-nos ao acaso, e pimba, deu certo. Eu toparia até me sentar com ela na praça de alimentação e passar a tarde ali, na maior vagabundagem. Porém bem no meio da nossa conversa, a mulher começou a pular. Parecia que tinha pulga na cueca, ops, digo, na bolsa. De um minuto para outro começou a saracotear, enfiar a mão na bolsa e chacoalhar.
- Aiaiai, um minuto. É meu celular tocando.
Balde de água fria. É, gente, para quem não sabe, um celular de alguém tocando na tua frente é o maior balde de água fria nas animações das conversas, ainda mais se for o celular do outro. Eu detesto quando isso acontece, pois a maioria das pessoas considera mais importante a pessoa que liga no celular dela do que a pessoa ao vivo ali na frente em carne e osso que não ligou porque a conversa estava boa.
Suspirei quando ela atendeu o aparelhinho. É, gente, pois a desgraçada atendeu o aparelhinho ali na minha frente. Chuá. Chuá, chuá e chuá, ô desgraçada. Tive vontade de sacar o meu aparelho, que eu não atenderia nunca porque respeito os interlocutores, e jogar em cima dela de raiva.
Aliás, fico tão tensa com a possibilidade da pessoa atender que acho que vou começar a ligar para os conhecidos que encontrar ao vivo, na frente deles.
- Opa, lúcia, um minutinho que está tocando meu telefone. Alô... – falará o meu interlocutor.
- Oi. Alô? – eu direi.
- Você? Como assim? Lúcia, se você está aqui na minha frente, pra que me ligar?
- É, eu sei. Mas podemos falar assim? Assim terei certeza que seu celular não tocará durante a nossa conversa – eu explicarei.
Bem, mas a minha "amiga", que eu estava achando "tão legal" atendeu o celular ali, na minha frente. E meu mundo caiu. Subitamente eu me senti mais só do que eu estava antes e muito abandonada. Aquela tal coisa da "autostima", sabe? Acho que foi por isso que ela segurou meu braço e me prendeu. Ou seja, ela estava no celular com alguém e me segurou pelo braço para que eu não fugisse.
Póde?
Pensei que era rapidinho, que ela ia falar para a pessoa algo como “ei, estou ocupada e daqui a pouco ligo”, mas ela começou a maior conversa longa, interminável, como se estivesse em casa, sozinha e disponível. E pior, comigo ali, acorrentada e esquecida.
Comecei a ficar com raiva. Uma putiz raiva. Primeiro segurei com força a mão dela e me soltei. As pessoas do mundo moderno, realmente, não tem noção. Olhei nos olhos dela, que falavam com alguém mais importante que eu, e dei um sorriso bobo. Idiota. Cretino.
- Falaí, Val. Um dia conversamos.
Me afastei e comecei a andar, dando as costas para a cretina. Sai dali, e olhei a ex-amiga de longe. Ela ainda estava ao telefone. Saco.
Bem, meia hora depois ela me encontrou na fila do estacionamento.
- Nossa, você sumiu!
- É... tinha que acabar uma coisas... – disfarcei - E agora estou atrasada, os filhos e o Zé...
- Escuta, nem pudemos falar direito hoje. Não quer me dar seu celular?
Que remédio, né?
Dei.
Saco.

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