terça-feira, 29 de novembro de 2005

trauma de natal


Eu queria entender exatamente porque, no início de dezembro, eu tenho que dar dinheiro para as duas equipes de lixeiros que passam à noite na minha rua, para o carteiro que me presenteia com um cartão cheio montanhas de neve, para o homem da Eletropaulo que me deixa um bilhete com letras azuis, para o entregador de jornal da madrugada com sua Kombi velha sem escapamento, para o moço da Sabesp, para o entregador de gás, para o padeiro. Noto que o vigia me olha ansioso, o jardineiro aparece sem mais nem menos em casa e me conta que minha vizinha já deu a ele uma cesta de natal, o guardinha da rua da minha mãe me cumprimenta pelo nome e o homem da banca de jornal coloca um aviso de “boas festas” dentro da revista. Hummm. Que estranho. O entregador do Pão de Açúcar me diz “feliz natal” duas vezes e as moças do caixa da farmácia usam chapéus de papai Noel.
É um complô, com toda certeza.
Ô santo. Depois de amanhã chega dezembro e, mais uma vez eu tenho que fugir de todos eles. O natal me ronda como se fosse me assaltar a qualquer instante. Podem me achar insana, mas confesso que tenho medo de natal. A época natalina me deixa psicopata, passo dias me escondendo deles, dessa gente que me segue, que quer meu dinheiro e que jamais vai acreditar que eu não ganho décimo-terceiro nem férias nem patavina nenhuma e não existe época que sou mais pobre no ano.
Anos atrás, ao invés de fugir, resolvi me entregar aos leões. Juntei dinheiro o ano todo e em dezembro passei a dar dinheiro para todo mundo que aparecia. Era aquela envelopaiada o dia todo saindo da minha bolsa. Além disso, comprei cestas, vinhos, caixas de bombom. Não me esqueci de nenhuma professora, nem secretária de médico, nem de nenhuma mãe de melhor de amigo de filho. Achei que estaria salva, mas não. Fiquei paupérrima, cheia de dívidas em janeiro e a culpa... não passou.
É uma culpa geral, eu acho. Presentear, que sempre é um prazer, virou obrigação, virou programa, virou lazer necessário. Quem não faz é visto com maus olhos. Meio amladiçoado.
Eu não gosto do natal por outros motivos. Perdi meu pai no natal quando era menina, nessa época sempre me lembro dele. Naquele primeiro natal sem pai, eu e minha irmã sequer sabíamos se podíamos ser felizes. Quando se perde um pai todos os sentimentos se embaralham. Resta olhar as peças e pensar como colocar aquilo em ordem. Mas não há quem ensine. Um pai, assim como uma vida, não volta. Nada cabe naquele vazio. É como perder um braço, um membro. Ele sempre vai faltar. A perda do meu pai me deixou sem a felicidade natalina. E não há o que colocar ali, naquele vão da festa.
Nos anos seguintes passamos a viver bem apertados em casa. Tivemos que aprender a fazer contas, cálculos, a controlar o dinheiro, a trancar a porta da casa. E os natais, que antes eram festas, se transformaram em ralos sugadores do pouco que tínhamos. “Vamos ver como vou comprar os presentes esse ano”, anunciava a minha mãe. Sempre achei esse lado do natal uma coisa absolutamente má. O natal veio, tirou meu pai e ainda dava despesas. Tudo que era antes generoso, largo, dadivoso, virou restrito, apertado.
Acho que traumatizei.
Achei que quando crecesse e tivesse filhos, as coisas seriam diferentes. Imagina. Piorou. O mundo passou a consumir e exigir muito mais. A máfia do natal agora fala olhando nos olhos. Olha. Se eu tivesse outra personalidade, mandava tudo as favas. Se fosse mais decidida, não compraria um único presente. Mas não. Mais um natal que chega e eu, mais uma vez, me escondo atrás da porta, fecho meus olhos e reclamo feito uma velha chata.
Eu sou uma refém do natal. Alguém quer dar alguma idéia?

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