quinta-feira, 17 de novembro de 2005

tempo doido


Nesse feriado fiquei super resfriada. Agora que passou dá para falar, mas quando a gente está resfriada é impossível escrever sobre isso. A gente nunca sabe qual é o ápice de um resfriado e se é para escrever sobre ele, o ideal é escrever sobre a sua culminância, sobre o auge da constipação. Um bom resfriado é daqueles que a gente pode descrever exageradamente. E imagina se você escreve as agruras de um mega-resfriado e piora no dia seguinte, que desperdício?
A culminância foi domingo. Se fosse para me gabar, eu podia me gabar de todos os sintomas: coriza, espirros, tosse, nariz escorrendo, dores pelo corpo, febre. Tive tudo, sem tirar nem pôr. Além dos sintomas básicos, passei duas noites sem dormir direito, me sentindo mal e no maior mau humor. Um sucesso meu resfriado. Depois de três dias tudo passou. Perdi o feriado, mas hoje estou bem melhor.
Mas não era exatamente isso que eu ia contar. Já falei aqui da minha implicância com gente que fala anasalado e piora os resfriados para se exibir.
- Oi, Daniela, tudo bem?
- Quê nâhda, thoum pêssema hohgê, beguêi a baiôr gribê.

Mas as pessoas adoram fazer isso, pois um resfriado é um grande assunto e um dos principais estopins de conversa mole do mundo. É incrível. Se você quer arrumar amigos e conversar com qualquer um, basta falar que está ou esteve resfriado. Além de pequenas observações e tons de comiseração, as pessoas receitam remédios, contam suas próprias agruras e falam sem parar.
Já eu evito falar nos meus resfriados. E se é inevitável falar, tento disfarçar.
- Que voz, lúcia. Você está resfriada?
- Eu? Bâgina. Tou ótiba.
Bom, ontem pela manhã eu tive uma reunião. Minha voz e minha cara não estão das melhores ainda, mas no geral estou bem. Cheguei um pouco antes e fui para uma sala de reunião onde eu deveria esperar os demais. Depois de uns minutos, entrou uma copeira com um cafezinho.
- Bom dia. A senhora aceita um café?
- Aceito, claro – respondi.
- Açúcar ou adoçante?
- Só uma gotinha de adoçante – respondi.
Obviamente que eu devo ter dito “ãceidu, clahhro" e "só ubá godinhahh de adossâhnde”, pois a moça logo me olhou com dó e falou num tom compadecido.
-Nossa... a senhora está resfriada, é?
Ô raiva. Não estava fazendo fita nem nada, não era o caso dela notar.
- Ah, só um pouco - respondi, sem graça.
Foi quando a copeira soltou uma pérola da conversa mole do mundo moderno. O motor de arranque da ladainha constipativa. Sabe aquelas frases prontas que servem para iniciar uma conversa mole? Exatamente isso. A moça sorriu e declarou.
- Ah, é esse tempo doido, né?
Era a deixa para a minha fala, onde eu deveria contar a ela todo meu sofrimento, ação que eu brilhantemente desempenhei.
Fazer o quê?
Mas gente, pensa. O que tem a ver o “tempo doido” com o meu resfriado? Porque uma pessoa como eu, que não trabalha na rua, ficaria resfriada com o... tempo doido? E o que é um tempo doido? Doido é alucinado, insano, demente. Não me lembro de ter nevado ou ter passado por um calor de 40 graus aqui na cidade. E se eu fiquei resfriada, foi muito mais por causa de algum vírus do que por causa de um... tempo doido.
Mas o que importa é que moça ficou feliz da vida com os cinco minutos de conversa onde eu e ela éramos iguais diante do tempo doido. O resfriado da Sueli (até sei o nome dela) foi muito pior que o meu, porque ela teve até que ir para o hospital.
- Ah, é esse tempo doido, Sueli, você tem razão - eu retruquei.
Olha, que saber? Não liguem para o que eu falo, façam voz de gripe e culpem o tempo doido. Eu é que sou uma chata implicante e que tenho essa mania insuportável de reparar nas coisas que pouco importam. Se eu fosse menos implicante com certeza ia ser muito mais feliz.
Aliás, que tempo doido que tem feito, não acham?

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