sábado, 19 de novembro de 2005

O bolo da Lú



A doceira estava vazia naquele começo de tarde. Eu estava lá para encomendar o bolo da Luciana, minha filha, que fez 15 anos antes de antes de ontem e fará uma festa hoje.
Um bolo, para mim, é sempre um grande assunto. Na minha família bolos são importantíssimos. Desde pequena aprendi que fazer bolos é absolutamente necessário, que bolos bons tem receita de família, que é preciso ter mão e que é absolutamente ridículo comprar um bolo. Na minha familia, as mulheres são vistas através de seus bolos. Os bolos e rocamboles da minha mãe sempre foram imbatíveis. O de nozes da minha avó é fantástico, e muitas conversas giram em torno disso.
- A Dulce é faz um bolo de claras maravilhoso.
- A tia Rita? Está velha-caduca, mas o bolo de chocolate dela ainda é um espetáculo. Não perdeu a mão.
Bati inúmeros bolos na vida, tenho as receitas e a mão. Quando aprendi a fazer bolos, existiam duas verdades. Não se pode bater um bolo na batedeira, um bom bolo se bate com a mão, e não se deve bater para o lado contrário – se você começa batendo para um lado tem que bater desse lado até o fim. Já levei altas broncas por causa disso.
- Não está tão bom, a Lúcia bateu ao contrário. Uma pena.
Mas com a vida que eu levo não tenho quase tempo de fazer bolos. Essa acaba sendo sempre uma incumbência da minha mãe. Todo aniversário nos falamos de manhãzinha.
- O Zé quer bolo branco ou de nozes? Chocolate com aquela cobertura fina para o João?
Assim, no dia do aniversário da minha filha do meio, liguei para ela.
- Mãe. O bolo da Nana. Em vez de fazer hoje, que é quarta, faz no sábado?
- Não dá. Sábado eu não posso porque domingo é aniversário do filho da tua irmã, que é criancinha e me pediu um bolo em formato de espada Jedái. Dá muito trabalho fazer bolo de espada de Jedái.
- Como assim? Quer dizer no sábado eu vou ter que... comprar?
- É uma vergonha, filha, mas vai. Estarei ocupadérrima.
Bom, como mãe é mãe, e eu sabia que não ia ter tempo, fui arrasada para a doceira.
- Boa tarde. Quero encomendar um bolo para sábado – pedi à atendente.
- Um momento.
Nesse instante chegou ao meu lado um senhor magrinho, de barbinha. Depois que a moça me pediu para esperar, o homem apontou os bolos da vitrine para a vendedora.
- Moça. Esses bolos são de aniversário?
- São bolos de qualquer coisa – falou a moça – o senhor que decide.
- Qual é melhor para um aniversário?
Como a moça não falou nada, eu intervim.
- De criança ou adulto?
- Adulto.
- A pessoa gosta de nozes? Chocolate? Chantili?
Ele hesitou.
- Hum. Não sei.
Ele me olhou sem graça.
- Olha. É que sempre é minha mulher que faz isso, mas hoje ela me mandou comprar e eu estou inseguro.
- É aniversário de alguém próximo? – perguntei, curiosa.
Ele hesitou.
- Sim. Não. Sim. Não. Bom, médio.
Diante do meu silêncio, ele desabafou.
- É meu aniversário.
Era engraçado o homem da barbinha.
- Mas meus parabéns! – exclamei - Então escolhe o que você gosta mais!
O homem ficou vermelho que nem um pimentão.
- Não! – respondeu, sério - não pode ser o que eu gosto mais... Tem que ser o mais certo para um aniversário.
Estava na cara que ele tinha muito, mas muito medo da mulher. O bolo, na verdade, era para ela. Bolos são sempre das mulheres, acho eu. Que idéia mandar o marido na doceira. E o pior é que ele sabia disso - se ele errasse ia dar a maior briga.
Dei de ombros e resolvi não palpitar. E se eu escolho um bolo por ele e a mulher dele detesta? Quem sou eu para me meter num assunto tão... íntimo? Ficou o maior silêncio. Diante do impasse a gerente, que não sabia que ele era o aniversariante e nem imaginava que a mulher era brava, sugeriu o bolo de nozes. Ele, encurralado, concordou.
Antes dele sair veio se despedir.
- Até logo, obrigado, viu?
- Parabéns, moço. Espero que sua esposa goste do bolo.
- O aniversário é meu – ele explicou.
- Eu sei, mas isso é de menos. O bolo é sempre das mulheres, moço. Sempre.

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