- Mãe.
- Oi João.
- Conversa comigo pra eu dormir?
- Quer que conte uma história?
- Quero. Mas história legal, não historinha de nenê.
- Você tem onze anos, e onze anos ainda é criança.
- Nem vem. Sou mais alto que você. Vai, conta logo.
- Era uma vez uma menina linda chamada Chapeuzinho Vermelho.
- Ah, mãe que saco.
- A mãe dela fez uma cesta linda cheia de doces, pães e bolos pra ela levar pra avó dela.
- Mãe, pára. Conta uma história de rappers, de adultos, de bandidos, vai.
“Filhinha, pega essa cesta e leva na casa da sua avó”
- Eu já sei, mãe. E daí ela colocou aquela touca ridícula e...
- Não senhor. Ela não ouviu o que a mãe disse.
- Como não ouviu?
- Ouve a história.
“Filha. Filhaaa, onde você está? Ora, onde está essa Chapeuzinho?”.
- O lobo apareceu na casa dela e comeu a menina?
- Não. É que a Chapeuzinho estava no computador.
“No computador de novo, minha filha? Sai daí, vamos”.
“Já saio, mãe.”
“Filha, sai desse MSN e leva esses doces pra sua avó”
“Já vai mãe. Tô indo".
- Ela foi?
- Ah, agora quer ouvir a história, é?
“Filhaaa. Não está ouvindo não? Leva esses doces para a sua avó, será que eu vou ter que repetir de novo?”.
“Mãe, eu tou indo”
“Como está indo se você nem saiu daí?”
“Já disse, eu tou indo. A gente não precisa sair do lugar para estar indo. Você é muito tosca. Dois minutinhos, mãe”.
“Tá, dois minutinhos.”
- Tá gostando?
- Não aconteceu nada nessa história.
- Bom. Depois de dois minutos a mãe voltou.
“Filha, já acabou? Mas filha... o que é isso, um jogo medieval? Mas porque você começou a jogar isso se eu te pedi para sair do MSN e levar esses doces na...”
“... na casa da vovó, eu sei mãe, mas espera que eu não posso sair agora, você não vê?”
“Sai daí Chapeuzinho, que coisa!”
“Eu preciso salvar. Dois minutinhos, eu já salvo e saio. Perai,mãe!”
“Vamos Chapeuzinho, já está escurecendo, menina!”
“Mãe, já disse, tô indo! É que eu não posso salvar ainda. Você não quer que eu morra, né?”
“Chapeuzinho, se precisar morra, minha filha! E vai logo levar esses doces para a sua avó que eu não agüento mais!”
“Tô indo, mãe! Tô indo!”
“Chapeuziiiiinho!”
“Tô iiiiiiiiiindo!”
- É chato assim, mãe?
-É, João.
- E como continua?
- Bem. Ela não leva os doces e não tem história. Tudo por causa do computador. Olha. Se fosse hoje em dia essa Chapeuzinho não ia encontrar o lobo e nem ser comida por ele.
- Se fosse hoje ela podia ser assaltada ou seqüestrada. Imagina uma menina pequena sozinha numa estrada deserta. Você não me deixa nem voltar da escola sozinho.
- Imagina trocar uma avó por um computador. Isso que seria absurdo.
- Ah, mãe. Absurdo é largar um jogo no meio sem salvar. Não dá, você sabe. E também ela podia mandar um e-mail pra avó avisando que ia demorar, pronto.
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