segunda-feira, 17 de outubro de 2005

uma praça muito alta



Neste final de semana fui assistir “A vida na praça Roosevelt”, do Sátyros, a convite do Ivam Cabral, que é ator e um dos idealizadores do local. Genial a peça e adorável o Ivam. Mais uma amizade que, de um modo ou de outro, surge por causa desse universo blogal. E, além de talentoso, simpático e generoso, o Ivam escreve muito bem também O blog dele é o Terras de Cabral.
O espetáculo é lindo, e o texto, de uma alemã chamada Dea Loher que morou um tempo no Brasil, é maravilhoso. É uma história sobre a cidade, a praça e seus moradores. É uma história triste sobre a vida, a família, o carinho, o medo e a solidão. E é também uma história sobre os excluídos, os mendigos, os guardas noturnos, os traficantes, as prostitutas, as mães que choram pelos filhos, as jovens com problemas, os operários miseráveis, os desempregados. Gente comum, longe da fama, do excesso de consumo, da grana e longe até da miséria total. É uma história sobre as pessoas que vivem ao nosso lado e que nem notamos, apenas nos incomodamos.
A peça comove. Nos dá consciência da futilidade dos nossos problemas, tão mínimos e frívolos. A arrogância das nossas vidas, com tantos remédios e soluções prontas e caras, nosso orgulho tão mesquinho, nossas preocupações e nossos medos, tudo parece muito mais miserável do que a sujeira real de um mendigo.
Mas eu queria falar sobre a praça Roosevelt.
Para quem não sabe, é uma praça com um projeto moderno no centro de São Paulo, na rua da Consolação, onde fica o teatro e que é o tema da peça. Conheço a praça Roosevelt desde que pequena, e nunca gostei dos comentários insistentes sobre a falta de qualidade urbanística. É difícil admitir, mas a minha primeira impressão do local nunca foi de um espaço feio.
Quando ela foi construída, fui visitá-la com meu pai. Era moderna, civilizada. Uma praça paulistana. Olha, São Paulo, para mim, nunca teve praças. Morei minha infância toda num apartamento na Haddock Lobo com a Antonio Carlos, perto da Augusta e da Paulista. Não há praças ali. Elas simplesmente não existiam na minha infância, nem tampouco no meu imaginário. Eu brincava, passeava e convivia dentro de casa, nas calçadas ou num páteo atrás do prédio.
Conheci as praças do interior, da casa dos meus avós. Mas eram outras praças, de outras cidades, praças de férias. A minha São Paulo nunca me deu praças e eu nunca exigi que desse. Não me ressinto da praça Roosevelt, pois ela teve, para mim, a simplicidade de um fato consumado e perfeitamente adaptado à minha vida urbana. Era uma praça calçada, com um projeto arrojado e moderno, com um estacionamento e viaduto embaixo. Era um espaço perfeitamente inserido na minha vida. Não era feia, era apenas alta. Somente isso eu estranhava, a altura, mas São Paulo também era mais alta que as demais cidades que eu conhecia, com esse monte de prédios.
Porém, um certo dia, aprendi que ela era feia. Surgiram um monte de teorias de qualidade de vida e modelos de urbanismo. Diante de todas essas comparações, a pobre praça tornou-se pavorosa. Uma cicatriz mal feita no desenho da cidade, diziam. Mas eu poderia não ter pego esse atalho de conhecimento. Aliás, não sei se adianta aprender depois de viver a coisa. A memória fala bem mais alto que as outras vozes.
Às vezes eu acho que sou igual a essa praça. Não tive essa infância que dizem ser “saudável”, com a possibilidade de viver numa cidade mais humana, mais generosa, cheia de praças e onde eu poderia brincar na rua. Talvez eu tenha crescido áspera, fria e sem plantas, exatamente como esse espaço. Mas tenho uma alma boa, como a gente daquela praça, como o astral delicioso do teatro e como a generosidade do Ivam.
Eu só não sou tão alta como ela, gente. Só isso.

Nenhum comentário: