Recebi um e-mail super engraçado de amigo meu de anos e anos, o Mané.
Desde que eu conheço o Mané, e já se vão quase vinte anos, que ele tem uma vida diferente. Ele trabalha aqui em São Paulo e mora da cidade de Santos, no litoral. E todos os dias ele sobe e desce a serra para trabalhar.
Quando ele me contou essa esquisitice, cai para trás. Hã? Ir e voltar do litoral para São Paulo todos os dias? Eu sou complicada para viajar, imagine o tamanho da mala que eu resolveria levar. Ele deu risada.
- Você acostuma, lúcia, e quer saber? Dependendo do lugar onde você mora, é muito mais rápido e cansa muito menos do que dirigir dentro de São Paulo.
- Mas é uma viagem! – repliquei.
– Veja, vamos num ônibus confortável, eu não dirijo o ônibus, tenho amigos lá dentro, fazemos jogatinas e festas e podemos dormir a vontade.
Ele também me conta que depois de tantos anos indo e vindo com as mesmas pessoas, todos acabaram ficando grandes amigos. Ali já nasceram filhos, houveram casamentos, separações, mortes, festas e grandes histórias. É uma turma muito unida, a do ônibus do Mané. Tive vontade de entrar no grupo. Será que esse ônibus me leva e me trás de volta?
Bom, quando escrevi sobre os carros com insulfilm, ele me escreveu um e-mail sobre o ônibus deles, que agora tem insulfilm também. É hilário. Olhai.
Nesta vida errada que escolhi (trabalhar em SP e morar em Santos), comecei a passar pela mesma coisa desde trocamos de ônibus fretado.
Ar-condicionado ecológico fortíssimo (todos de cobertor, parece um avião indo para NYC ou Miami) com as janelas seladas ("não precisa abrir", nos dizem) e esta porcaria de vidro com insulfilm, só que deve ser 10% de transparência - claro, passageiro não dirige. Lá na frente, no motorista, é tudo claro, mas entre ele e o “salão” há uma porta que fica fechada e vidros com cortinas.
De manhã todos dormem batendo queixo, numa escuridão de 90%. À tarde ou noite, saindo do Largo de São Francisco, vemos filmes no aparelho de DVD (o ônibus tem quatro monitores e sempre um está no máximo a 3m de você). Quem quer ler tem que acender a luzinha de cortesia, mínima.
E tome filme. Não se enxerga a estrada, a lua, a chuva. Sabemos que está na serra pelo leve balanço. Alguém tenta ver se tem neblina. Piada ! Nada se vê.
Aí o ônibus chega em Santos à noite e as pessoas precisam descer, claro que cada uma num trecho do percurso. O que temos? Dezessete, trinta pessoas cobertas feito mendigos com os narizes estampados nas janelas, tentando enxergar o bairro, o caminho, vendo se o diabo do motorista está "chegando perto de casa". Vai dando um desespero até que alguém resolve ir lá para frente e começa a irradiar "onde estamos":
- Rua Epitácio Pessoa, perto da padaria Independência!
- Olavo Bilac, agora no banco Itaú! Faculdade de Medicina!
- Alguém no canal dois? Olha, o sinal está aberto, ele vai passar, hein?
- Cruzando a Ana Costa, gente, olha o Gonzagaaa!
Quem olha de fora não vê absolutamente nada.
As pessoas estão ameaçando trazer uns estiletes para abrir umas vigias. Coisas de hoje em dia.
De manhã todos dormem batendo queixo, numa escuridão de 90%. À tarde ou noite, saindo do Largo de São Francisco, vemos filmes no aparelho de DVD (o ônibus tem quatro monitores e sempre um está no máximo a 3m de você). Quem quer ler tem que acender a luzinha de cortesia, mínima.
E tome filme. Não se enxerga a estrada, a lua, a chuva. Sabemos que está na serra pelo leve balanço. Alguém tenta ver se tem neblina. Piada ! Nada se vê.
Aí o ônibus chega em Santos à noite e as pessoas precisam descer, claro que cada uma num trecho do percurso. O que temos? Dezessete, trinta pessoas cobertas feito mendigos com os narizes estampados nas janelas, tentando enxergar o bairro, o caminho, vendo se o diabo do motorista está "chegando perto de casa". Vai dando um desespero até que alguém resolve ir lá para frente e começa a irradiar "onde estamos":
- Rua Epitácio Pessoa, perto da padaria Independência!
- Olavo Bilac, agora no banco Itaú! Faculdade de Medicina!
- Alguém no canal dois? Olha, o sinal está aberto, ele vai passar, hein?
- Cruzando a Ana Costa, gente, olha o Gonzagaaa!
Quem olha de fora não vê absolutamente nada.
As pessoas estão ameaçando trazer uns estiletes para abrir umas vigias. Coisas de hoje em dia.
Gente do céu. Ônibus com insulfilm é demais, isso não é viagem, é sequestro. Será que o índice de assaltos a pessoas pelas janelas em ônibus de turismo é tão grande assim para justificar essa maluquice? E para quê serve um ônibus de turismo onde ninguém vê nada lá fora? Pensa bem, uma das intenções de uma viagem num ônibus de turismo é ver conhecer o lado de fora. A coisa extrapolou. Insulfilm não é mais uma necessidade, e sim um luxo. É um acessório a ser consumido, não duvido nada que daqui a pouco ele seja adotado em... aviões. O que se vende é um estilo de viajar. Dentro de uma bolha condicionada, escura, segura e inacessível.
- Cruzando a Ana Costa, gente, olha o Gonzagaaa!
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