quinta-feira, 20 de outubro de 2005

o ônibus do mané



Recebi um e-mail super engraçado de amigo meu de anos e anos, o Mané.
Desde que eu conheço o Mané, e já se vão quase vinte anos, que ele tem uma vida diferente. Ele trabalha aqui em São Paulo e mora da cidade de Santos, no litoral. E todos os dias ele sobe e desce a serra para trabalhar.
Quando ele me contou essa esquisitice, cai para trás. Hã? Ir e voltar do litoral para São Paulo todos os dias? Eu sou complicada para viajar, imagine o tamanho da mala que eu resolveria levar. Ele deu risada.
- Você acostuma, lúcia, e quer saber? Dependendo do lugar onde você mora, é muito mais rápido e cansa muito menos do que dirigir dentro de São Paulo.
- Mas é uma viagem! – repliquei.
– Veja, vamos num ônibus confortável, eu não dirijo o ônibus, tenho amigos lá dentro, fazemos jogatinas e festas e podemos dormir a vontade.
Ele também me conta que depois de tantos anos indo e vindo com as mesmas pessoas, todos acabaram ficando grandes amigos. Ali já nasceram filhos, houveram casamentos, separações, mortes, festas e grandes histórias. É uma turma muito unida, a do ônibus do Mané. Tive vontade de entrar no grupo. Será que esse ônibus me leva e me trás de volta?
Bom, quando escrevi sobre os carros com insulfilm, ele me escreveu um e-mail sobre o ônibus deles, que agora tem insulfilm também. É hilário. Olhai.

Nesta vida errada que escolhi (trabalhar em SP e morar em Santos), comecei a passar pela mesma coisa desde trocamos de ônibus fretado.
Ar-condicionado ecológico fortíssimo (todos de cobertor, parece um avião indo para NYC ou Miami) com as janelas seladas ("não precisa abrir", nos dizem) e esta porcaria de vidro com insulfilm, só que deve ser 10% de transparência - claro, passageiro não dirige. Lá na frente, no motorista, é tudo claro, mas entre ele e o “salão” há uma porta que fica fechada e vidros com cortinas.
De manhã todos dormem batendo queixo, numa escuridão de 90%. À tarde ou noite, saindo do Largo de São Francisco, vemos filmes no aparelho de DVD (o ônibus tem quatro monitores e sempre um está no máximo a 3m de você). Quem quer ler tem que acender a luzinha de cortesia, mínima.
E tome filme. Não se enxerga a estrada, a lua, a chuva. Sabemos que está na serra pelo leve balanço. Alguém tenta ver se tem neblina. Piada ! Nada se vê.
Aí o ônibus chega em Santos à noite e as pessoas precisam descer, claro que cada uma num trecho do percurso. O que temos? Dezessete, trinta pessoas cobertas feito mendigos com os narizes estampados nas janelas, tentando enxergar o bairro, o caminho, vendo se o diabo do motorista está "chegando perto de casa". Vai dando um desespero até que alguém resolve ir lá para frente e começa a irradiar "onde estamos":
- Rua Epitácio Pessoa, perto da padaria Independência!
- Olavo Bilac, agora no banco Itaú! Faculdade de Medicina!
- Alguém no canal dois? Olha, o sinal está aberto, ele vai passar, hein?
- Cruzando a Ana Costa, gente, olha o Gonzagaaa!
Quem olha de fora não vê absolutamente nada.
As pessoas estão ameaçando trazer uns estiletes para abrir umas vigias. Coisas de hoje em dia.

Gente do céu. Ônibus com insulfilm é demais, isso não é viagem, é sequestro. Será que o índice de assaltos a pessoas pelas janelas em ônibus de turismo é tão grande assim para justificar essa maluquice? E para quê serve um ônibus de turismo onde ninguém vê nada lá fora? Pensa bem, uma das intenções de uma viagem num ônibus de turismo é ver conhecer o lado de fora. A coisa extrapolou. Insulfilm não é mais uma necessidade, e sim um luxo. É um acessório a ser consumido, não duvido nada que daqui a pouco ele seja adotado em... aviões. O que se vende é um estilo de viajar. Dentro de uma bolha condicionada, escura, segura e inacessível.
- Cruzando a Ana Costa, gente, olha o Gonzagaaa!

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