Uma obra sempre tem muita gente trabalhando. Como em qualquer grupo de trabalho, as pessoas no começo não se conhecem, depois algumas se tornam amigas, outras apenas conhecidas, outras brigam e não conseguem nem se olhar. Mais ou menos no meio do processo já sabemos muito bem as características de cada um.
Foi mais ou menos nessa época de uma das minhas obras que eu percebi a coisa. Eu já comentei aqui sobre as ‘características’ de algumas pessoas. Muita gente tem traços de personalidade, manias e tiques bem... marcantes. Depois que a gente nota não tem mais jeito. Estigmatiza. É uma condenação, uma prisão eterna.
A desse engenheiro era impossível não ver. Ver não, era impossível não ouvir. O problema do cara é que ele falava pra caramba, continuamente e ininterruptamente. Parecia que tinha engolido um rádio ou coisa parecida – bastava começar que a conversa virava um monólogo sem fim.
Olha. Eu detesto gente que não desenvolve conversa, mas aquele fulano era exageradamente tagarelo, e, depois de uns dez minutos de escuta ininterrupta qualquer cristão percebia que ele passava dos limites.
No começo aquilo não me incomodava, até o dia que tivemos que viajar juntos. Ele falou sem parar durante as duas horas e meia de vôo de ida e de volta, e eu cheguei aqui com o maior torciloco da paróquia.
Bom, uma coisa como essa todo mundo percebe, mas não comenta. Guardei a aflição durante um mês, até que um dia desabafei com um amigo.
- Escuta. Já notou como o fulano fala?
O meu amigo se animou. Foi como destampar uma rolha.
- Ah, ainda bem que você também reparou. Tem dias que eu não agüento, o telefone quase derrete na minha mão – ele suspirou, aliviado em desabafar.
Assim, pouco a pouco, todos os outros engenheiros, arquitetos, fornecedores, secretárias e encarregados tomaram coragem e começaram a comentar o fato. E o fato era que o tal engenheiro, realmente, falava demais.
- É insuportável, não é producente – falou um marceneiro – Eu tenho que trabalhar e ele não me deixa, fica falando!
- Por causa dele eu perdi o vôo – falou um outro engenheiro – ele falava sem parar no meu ouvido na sala de embarque, eu ouvi a moça chamando o vôo mas não consegui interromper. Resultado: perdemos o avião.
- Outro dia pedi licença e fingi que ia ao banheiro para descansar – falou uma arquiteta.
Começaram as piadinhas. Um monte delas.
- Quer ficar um ano sem falar com ele? É só não interromper.
Coitado do homem. Virou motivo de chacota. As pessoas passaram a evitá-lo. Mas fazer o quê? Eu, por exemplo, que preciso falar sempre com ele, fico adiando a ligação. Quando ligo no fim da tarde, o tempo passa, anoitece ele ainda está lá, dentro daquele telefone, matracando. Fico nervosa, deito no chão, largo o telefone, vou até a cozinha, falo palavrão baixinho, escrevo impropérios, mordo a mão, arranho o rosto e quase choro. Ele continua falando, falando, falando.
O homem é o gerúndio vivo.
Hoje eu tive que ligar para ele. Antes, comentei com uma secretária.
- Bom, preciso desligar, Bete. Tenho que ligar para o fulano agora.
- O fulano? – ela respondeu, rindo – Bom, então hoje não nos falaremos mais. Até amanhã!
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