segunda-feira, 13 de junho de 2005

o cachorrinho


Foi aniversário do filho de uma amiga. O menino fazia três anos.
Como ela não mora em São Paulo, a festa seria na casa da mãe. Venha, ela me disse, vou fazer só um bolinho pra não passar em branco.
A mãe morava num apartamento, não era longe. Mas festa em apartamento é sempre apertada. Em primeiro lugar, sempre tem um monte de crianças correndo, e criança correndo ocupa o dobro do espaço. Depois nunca tem cadeira para todo mundo, e as pessoas adoram de ficar em pé na frente das portas. A porta da cozinha, a porta da entrada e a porta do corredor ficam lotadas, o resto da sala, vazio. Vai entender.
A mãe da minha amiga, a dona do apartamento, foi logo avisando:
- Gente. Cuidado com o cachorrinho, hein?
- Cachorro?
Estranhei. Cabia um cachorro ali? A mulher explicou, rindo.
- Ah, o meu neto ganhou um cachorrinho. Um cachorrinho lindo!
Olhei para o chão. Lá estava ele, todo pirilampo, o cachorrinho - presente. Pretinho, saltitante e mínimo. Parecia um pom pom.
Bom, tente se lembrar como fica o chão das festas infantis. Tem de tudo: papel de embrulho, balão estourado, presente largado, brigadeiro, pratinho, brinquedo de montar, laço de fita, copinho, uma zona total. E no meio disto tudo, entre a correria das crianças e entre as tias se equilibrando para ir embora: ele.
O cachorrinho preto.
Cheguei perto de outra amiga. Ela tinha filhos da mesma idade dos meus, grandões, e já passou por milhões de festas. Olhamos para o cachorrinho e pressentimos um problema.
- Ichi. Isso não vai dar certo - ela suspirou.
Concordei. Aquilo não ia dar certo. Infelizmente.
Vagou um sofá e sentamos as duas. Ao nosso lado sentou uma amiga muito chique da dona da festa, bem vestida, elegante, salto altíssimo. Falou um pouco conosco, mostrou o filho com dedo fininho e olhou no relógio. Nossa. Tinha que ir embora. Levantou-se apressada demais, quando ouvimos o ganido:
- Unhiii!
Deusdocéu. Óbvio, ela pisou no cachorrinho com o salto do sapato chique. Fez uma cara de pânico.
Calma, dissemos, rindo. Abaixamos as três ao lado do cãozinho. Sussurrávamos, para a dona da festa não perceber o que aconteceu. A moça chique tremia, dizendo aimeuDeus, aimeuDeus. Minha amiga foi rígida.
- Shiu! Quer que todo mundo perceba essa encrenca que vocâ causou?
Ela apertou a boca, obedecendo. O cachorrinho, deitado na nossa frente, continuava imóvel.
- Morreu?
- Não sei.
- Tá respirando?
- Como que vê?
- Põe a tua orelha nele. Vê se bate o coração.
- Parece.
- Coloca em pé.
Ele ficou em pé, mas não andava.
- Não morreu. Senão tombava.
- Mas não anda.
- Quando morre não fica duro? Vai ver que morreu. AimeuDeus.
- Fica duro, mas demora. Primeiro fica mole.
- Empurra um pouquinho.
- Ei, assim ele cai . Devagar.
Estávamos as três em volta do micro cão, agachadas e fechadas em círculo, uma dando cobertura para a outra. Minha amiga dava uns tapinhas na bunda dele.
- Vamos. Vamos luluzinho. Lu-lu-ú.
O cachorrinho saiu meio zonzo, cambaleando. E ainda bem. Vivo.
Levantamos. A moça chique sorriu, aliviada e se despediu de todos. Comemos mais uns doces, conversamos mais um pouco, até que achei que era hora de ir embora também. Foi quando a dona da festa apareceu esbaforida, cara de desespero:
- Ele sumiu, fugiu, foi embora!
- Quem? O seu filho?
- Não! O cachorrinho!
Como ela falava alto, todo mundo se levantou. Será que alguém tinha sentado em cima? Começou um procura que procura. Ela declarou, chorando, que ele devia ter ido embora no elevador com a amiga chique.
Aquela moça é um perigo, comentei.
Começou a maior correria, no apartamento. A dona da festa pegou o interfone. O porteiro tinha visto um cãozinho preto?
- A senhora tem cachorro?
- Eu tenho, minha mãe não.
- Mas quem é a senhora?
- A filha! E o cachorrinho?
- Cachorro? Não tem cachorro aqui dona, tem só eu, o porteiro.
As crianças, as tias, a mãe, todo mundo atrás do cachorrinho. Uns no apartamento, outros lá embaixo, berrando. Escada, elevador, portas, cantos, estantes, bolsos, lixo. Nada. Ninguém se atrevia a sair. Como largar a dona da festa naquela situação? Nem sentar ficava bem.
- Falei que não ia dar certo.
A dona da festa, choramingava.
- Ahhh, gente, judiação...
Até que alguém gritou:
- Táqui!
Foi uma correria para o quarto do menino. Lá estava ele, o cachorrinho, dormindo sobre a cama, no meio dos presentes. A dona da festa colocou a mão no coração. Alívio! Mas quem colocou na cama? Ele não consegue subir, é tão pequenino!
- Mãe, fui eu.
Era o menininho aniversariante, até então completamente esquecido.
Ele continuou, calmamente.
- Você não falou para eu guardar os presentes espalhados em cima da cama? Eu pus.

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