sexta-feira, 13 de maio de 2005

o colarzinho



- Lucia, você precisa um dia escrever sobre esse nosso esquecimento – disse uma amiga minha, mãe e profissional – eu ando me esquecendo de tudo, que horror! Alzheimer puro, nunca vi! E nem sou velha!
Eu já notei, isso acontece comigo também. Principalmente com nomes de pessoas. Acho que a gente tem informação demais na cabeça.
Bom, tocou a campainha. Era a mãe de um amiguinho do meu filho que veio buscar o menino.
O garoto está sempre aqui em casa, mas o nome da mãe eu não lembrei de jeito nenhum. Fiquei olhando para a cara dela, matutando, puxando uma lembrança. Essa daí é a... é a... a...
Marina? Débora? Silvana? Beatriz? Nina?
Ichi. "Alzheimer, Lúcia", pensei.
Se fosse só uma vez ou outra, vá lá. Mas isso tem acontecido a toda hora, em todos os lugares e com todas as mães dos amigos dos meus filhos. E como crianças crescem e tem mais amigos, a cada dia aumenta a quantidade de mães... sem nome.
Depois que você conhece uma pessoa há algum tempo, depois que já perguntou o nome dela umas três ou quatro vezes, acho feio perguntar de novo. E o pior é quando elas, as mães sem nome, nunca esquecem do “teu” nome.
Devíamos estipular um nome especial para chamar as mães de amigos dos filhos. Por exemplo, as “tias” da nossa família. É ótimo esse termo, “tia”. Tudo quanto é tia ou parenta que você encontra e não sabe o nome, você chama de “tia”.
- Tia! Quanto tempo!
Não é maravilhoso? Resolvido qualquer constrangimento. Mas com as mães dos amigos dos filhos, danou-se. O truque é evitar de colocar sujeito nas frases, ou balbuciar um ininteligível “vãrh”, quando você precisar se referir à pessoa.
Outro dia estava no clube quando apareceu uma mãe toda animada. Abanava as mãos, sorria e me olhava.
Seria comigo?
Era.
Eu não via aquela mãe há quatro anos, e jamais me recordaria do nome dela. Dei um tchauzinho de longe, mas ela chegou ao meu lado.
- Oi Lúcia! A Nani está boa? E o Chico, o Juca?
Se ela reparasse, perceberia a minha cara-de-tacho. Além dela se lembrar do meu nome, ela ainda sabia os nomes dos meus filhos, um por um! Conversamos, eu repetindo baixinho o meu tradicional “vãrh”.
Foi quando eu olhei para o pescoço dela. Lá estava. Um colarzinho de ouro, com um nome: “Alessandra”. Ufa, estava salva, e essa mãe merecia um prêmio. Na primeira chance, lasquei o nome no meio duma frase:
- Pois é, Alessandra, eu...
Ela me interrompeu, rindo.
- Lúcia! Alessandra é a minha filha. Estou com colar dela por causa da aula de natação!
E continuou a conversa, apesar do meu desapontamento. E, pior: sem me falar o nome verdadeiro, que não sei até hoje.
Ainda bem que não sou só eu que tenho esse problema aqui em casa. Era domingo e veio aqui um amigo do João, o Joaquim, que é filho de um senhor, português, simpaticíssimo. Depois do jantar, chegou o pai do Joaquim.
O Zé foi atender a porta.
- Lúcia. Como chama mesmo o pai do Joaquim?
- E eu vou saber, Zé?
Ele deveria ter perguntado ao menino, o Joaquim. Mas, ao invés disso, olhou para Francisco, meu filho maior.
- Chico. Rápido. Você sabe o nome do pai do Joaquim?
Bom. O Francisco é o maior gozador da paróquia. Sem tirar o olho do livro, respondeu:
- O pai do Joaquim é o Manuel, ora – pois!
O Zé desceu a escada, abriu a porta todo animado e falou em alto e bom tom:
- Opa! Falaí, ô Manuel!
O homem arregalou o olho, sem graça.
- Manuel? Ô José. Mas meu nome é Fernando.
Bom.
Para ajudar as amigas, vou providenciar meu colarzinho já... quem sabe a moda pega?

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