sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

de mãos dadas



Tento sempre levar a vida de maneira fácil, leve, achar graça nas coisas pequenas, ver o grande não tão grande assim. Dizem que a abrangência da mente da gente é enorme, mas a minha própria acho que é meio limitada, porque sempre começo pensando muito a sério algum assunto, mas logo em seguida tenho a maior preguiça e já começo a desistir da seriedade.
Dizem que mulheres em geral são assim, um pouco preguiçosas mentais. Acho isso uma grande bobagem, achar que não existe aprofundamento num pensamento feminino. Tem mulheres que afundam tanto, mas tanto, que encalham dentro da vida delas. Não é? Por isso faço esforço para ser o mais leve possível. Uma mulher leve tem muito menos possibilidades de encalhes, pois pode ser levada pelo vento e planar, descompromissadamente, por aí.
Meu maior medo na adolescência era justamente esse: encalhar e afundar, compacta como uma âncora, direto lá pro fundo da vida. Eu pensava nisso e já me via solteirona, sem saída, enclausurada, sem ar, igual a uma tia-avó minha, que já morreu. Embora eu gostasse dela, nunca quis que minha vida fosse igual à dela. Ela entregou a vida só ao trabalho, provou que era melhor que muitos homens, mas foi a mulher mais solitária desse mundo.
Um dia eu estava na casa dela fazendo uma visita, pois ela estava adoentada. Ela na cama e eu ao lado, conversando.
- Deite aqui ao meu lado, lúcia.
Obedeci e ficamos as duas olhando o teto da casa antiga, cheio de manchas de umidade.
- Lúcia. Quando se tem um marido a gente faz isso? – ela me perguntou, de repente.
- Isso o quê, tia?
- Ficar assim, de mão dada, na cama?
- Sim, claro – respondi – muitas vezes, na cama, no sofá... em todos os lugares, tia.
- Sem falar nada um com o outro? – ela insistiu.
- Umas vezes sim, outras não, tia. Depende.
Ela ficou calada um tempão.
- Acho que isso deve ser bem melhor que aquilo.
- Aquilo o quê, tia?
- Aquilo que casais fazem na cama - e ela explicou melhor, em claro e bom tom – Sexo. Eu falo de sexo, menina. Isso é bem melhor que sexo, não é?
Talvez ela tenha compreendido muita coisa, depois de tantos anos sozinha e tanta falta de amor. Sim, minha tia. Deitar numa cama e poder dar a mão a alguém, sem ter nada para falar ou ouvir e apenas olhar o teto é muito bom. Não sei se é melhor que sexo, como ela quis achar e eu não falei nada para ela não ficar triste, mas é muito, muito bom. E ser mulher é descobrir isso e querer isso, também.
Minha tia morreu dois anos depois, aos noventa e dois anos. Me deixou essa lembrança linda desse dia. Me deixou essa mancha carpinejada no meu teto.

Eu ia falar de uma coisa e falei de outra completamente diferente.Caramba.

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