sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

O MAR - V


Caio Reisewitz
Paúba, 2003
fotografia, 160x207cm


Dando continuidade aos "Mares de Franka", ganhei de presente da M.M.A.S.B. (minha melhor amiga Sílvia B.) essa imagem do Mar de Paúba. Embora esse "mar" não tenha feito parte da minha viagem para Santa Catarina, é um mar muito conhecido meu, pois já fui um monte de vezes passar as férias por lá com a Sílvia.
É um mar da nossa memória de mães e amigas, com uma linha que já deu muita conversa entre nós duas, sentadas na areia e olhando os filhos.
E foi lá que acontenceu uma história que que a-do-ro.
Colocarei aqui.
Tchamtcham.
Lá vai.

Mal passada

Na praia, dia lindo de sol.
As seis crianças estavam na beira da água, fazendo castelos de areia molhada. Três deles são meus filhos, os outros três da minha amiga. Olhávamos as crianças de longe, tranqüilas, pois ninguém estava dentro d’água. Criança dentro da água do mar dá sempre um pouco de preocupação. A gente tem que ficar olhando e contando. No nosso caso, um, dois, três, quatro, cinco, seis. Depois de dois minutos, tudo de novo. Um, dois, três, quatro, cinco, seis.
Ufa.
Quando meus filhos eram bebês, eu tinha queimaduras de sol esquisitíssimas. Mães devem se lembrar. Quando se toma conta de criança pequena em praia, a gente só olha para baixo. Ou para eles não caírem, ou para não afundarem ou para não sumirem diante dos nossos olhos. Bom, acabamos ficando uns verdadeiros pimentões na ponta do nariz e nos ombros. Um horror. Depois os filhos crescem, e você precisa ficar vigiando, sentada, de óculos e chapéu para ver melhor. Nessa época da tua vida você só se queima na parte de frente, geralmente fica com a barriga e as coxas pretas, estorricadas. Outro horror, parecendo lagosta. Só depois de mais de dez anos você pode relaxar um pouco e se esborrachar na areia. Mas daí você já ficou meio velha, acaba indo em um dermatologista para verificar aquelas pintas que resolveram aparecer. Ele te olha, e a primeira coisa que te fala é que, daquele dia em diante, você está proibida de tomar sol. Nem pensar. Filtro solar cinqüenta, no mínimo, ele diz. Cinqüenta!
Dançou, moça.
Mãe tem que esquecer de vez esse negócio de se bronzear. Ainda bem que não está mais na moda ficar morenona. Se bem que, vou dizer a verdade: como eu aprendi que isso era bacana na minha juventude, sempre quero pegar uma corzinha quando vou para a praia, independente dos perigos. Não daquele jeito que a gente fazia quando era menina, que se escalpelava toda, e ainda queimava em cima, de novo, para “pegar” a cor. Acabamos de vez com a nossa pele, com a melanina, com a epiderme, com a cútis, com o couro, aliás, com tudo que nos envolve.
Antigamente era legal ser bem passada. Eu, por exemplo. Já me disseram que já esgotei minhas horas de sol dessa vida, agora só em outra encarnação. Me sinto como um tipo de maionese, que a cozinheira bateu tanto que passou do ponto e desandou.
Bem, voltando à nossa praia. Nesse dia estava quente demais, fui entrar um pouco na água. Passei pelo tal castelo que estava sendo executado pelas nossas crianças. Olha. Não era bem um... castelo. Era um tipo de “escultura” de uma mulher, deitada e dura no chão, tamanho natural, braços abertos e tomando sol (como as mães nunca tomam).
Hum.
Inveja que me deu.
Um dos meninos fez uns peitos imensos na tal mulher, e corria uma discussão calorosa entre eles. A minha filha argumentava.
- Ah, pode diminuir, Márcio. Não existe peito tão grande assim.
- Existe sim, já vi um monte.
- Vai ver que eram de silicone - falou a minha filha - todas as mulheres muito peitudas tem silicone.
- Não, não - ele respondeu - tem peitudas que tem peito natural, como a minha professora. Ela é peitudona e falou que não tem silicone.
- Vai ver que ela mentiu para você. Ei, olha aquela moça que está vindo e me fala: o dela é de verdade ou silicone?
- De verdade.
- Não, é de silicone! Tá na cara, seu bobo!
Entrei na água, rindo. Silicone era uma palavra que eu nem conhecia na minha infância. Agora vira até gincana de praia.
Quando eu saía da água do mar, ouvi o grito do meu filho mais vellho:
- Mãe! Vem aqui um pouco, por favor!
Eles ainda discutiam sobre a tal escultura da mulher de areia. E foi quando eu passei por uma situação que nunca pensei que ia passar na vida.
Quando o meu filho me chamou, ele não queria exatamente falar comigo. Queria só o meu corpo, para fazer uma espécie de “demonstração” ao outro menino.
- Mãe, vem aqui... Isso. Agora, vira de costas.
- Hã? De costas, filho? - perguntei, me virando.
Ele nem me deu bola.
- Olha, Márcio. Aqui, nessa parte da bunda dela. Vê?
- Vejo.
- Isso aqui, esse pedaço cheio de bolinhas é a “celulite”. Tem aqui, aqui... e olha, um montão aqui. Viu?
- Vi.
- E... - ele me ordenou de novo - Ô mãe, fica de lado agora, por favor?
Suspirei, resignada.
- ... tá bom, filho...
Ele continuou, seríssimo.
- E isso aqui, Márcio, essas linhas tremidas, que parecem umas cobrinhas na perna dela, essas que são as “estrias”. São coisas diferentes, entende? “Celulite”, “estria”.
- Ah, tá. Entendi.
- Pode ir, mãe. Obrigado.
Saí dali muda. Fui até a barraquinha, na sombra, coloquei o chapéu e os óculos.
Bom.
Será que eu deveria ao menos colocar silicone?


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