*
Peitos me dão um pouco de aflição. Sempre dei graças a Deus de não tê-los grandes demais. Uns apêndices úteis, concordo. Me foram muito úteis, ainda mais quando cresceram enormemente depois do parto e deram muito leite aos meus filhos. Inchados, gordos quentes, latejantes, eles ficaram.
Um dia, na maternidade depois de um dos partos, entrou uma enfermeira e me viu naquele estado: com febre alta, com mais leite que o bebê poderia mamar e com os braços abertos diante da imensidão das minhas mamas. A mulher me olhou com a maior dó: uma moça entregue à vida selvagem, entregue ao despejar de leite, largada e dominada pela sua incapacidade de ser bicho. Nunca imaginamos, nós, mulheres modernas, estudadas e formadas, que podemos ficar reféns da natureza: quem era eu? Nada, uma mãe, mais uma delas. A enfermeira gorda entrou no meu quarto, me olhou e eu aceitei aquele olhar piegas e piedoso como um bicho abatido e largado.
"Me salva", de alguma maneira eu disse à ela, "por favor me salva", eu repetia dando um sorriso besta com cara de coitada. "Me torna gente de novo". A enfermeira sorriu. Era uma mulher como eu, sabia de tudo e encarava meu desespero com uma certa malícia. Chegou perto e me pediu que mostrasse à ela meus peitos. Vergonha? Não, de modo algum. A minha dor era muito mais funda, como se eu nunca mais saísse dali, de dentro da minha carne.
Ela não hesitou em enfiar suas mãos úmidas em minha pele, e, pouco a pouco começou a me ordenhar como fazem com os animais, com as cabras, as vacas. Eu estava esguichando desordenadamente, vertendo assustadoramente muito líquido, sem controle, sem mais por onde espalhar. Era patético, desesperador e desconcertante, mas aquela era eu. Chorar naquele momento era pouco. A mulher tirava o meu leite de dentro do meu corpo com as mãos, fazendo movimentos contínuos, apertando, machucando e me salvando. Olha. Aquilo não era dor. Aquilo era compreensão pura de ser bicho. Nada além de umas mãos sobre um corpo, nada além da pressa da natureza de esvair-se.
Não sabemos mais ser mulheres. Me assustei com isso, mas foi a primeira vez que vi o outro lado, atrás da redoma de vidro na qual me fechei para poder sobreviver de modo asséptico. O lado cruel e doloroso de ser mãe moderna é esse: temos que fingir que não há dor, que não há leite, que não há filhos. Derrapamos na própria existência, caímos no chão e choramos todos os dias, mas evitamos a verdade.
Mas, quer saber? Naquela hora de bicho, na dor única do nascimento e da natureza, percebi que esse é o único lado que tem a verdadeira feminilidade, alcançando o lamentável e indecoroso limite do belo. Fundi-me com elas, todas as fêmeas desse universo. Poderia, naquele instante, vomitar, urrar, me debater, espumar, verter ou morrer. Pouco importava. Dane-se. O leite precisava sair.
Aliás, as coisas pouco importam.
Morrer a gente morre a cada dia, nascer a gente nasce a cada instante que respira.
O resto, acho eu, são acidentes de percurso.
Peitos me dão um pouco de aflição. Sempre dei graças a Deus de não tê-los grandes demais. Uns apêndices úteis, concordo. Me foram muito úteis, ainda mais quando cresceram enormemente depois do parto e deram muito leite aos meus filhos. Inchados, gordos quentes, latejantes, eles ficaram.
Um dia, na maternidade depois de um dos partos, entrou uma enfermeira e me viu naquele estado: com febre alta, com mais leite que o bebê poderia mamar e com os braços abertos diante da imensidão das minhas mamas. A mulher me olhou com a maior dó: uma moça entregue à vida selvagem, entregue ao despejar de leite, largada e dominada pela sua incapacidade de ser bicho. Nunca imaginamos, nós, mulheres modernas, estudadas e formadas, que podemos ficar reféns da natureza: quem era eu? Nada, uma mãe, mais uma delas. A enfermeira gorda entrou no meu quarto, me olhou e eu aceitei aquele olhar piegas e piedoso como um bicho abatido e largado.
"Me salva", de alguma maneira eu disse à ela, "por favor me salva", eu repetia dando um sorriso besta com cara de coitada. "Me torna gente de novo". A enfermeira sorriu. Era uma mulher como eu, sabia de tudo e encarava meu desespero com uma certa malícia. Chegou perto e me pediu que mostrasse à ela meus peitos. Vergonha? Não, de modo algum. A minha dor era muito mais funda, como se eu nunca mais saísse dali, de dentro da minha carne.
Ela não hesitou em enfiar suas mãos úmidas em minha pele, e, pouco a pouco começou a me ordenhar como fazem com os animais, com as cabras, as vacas. Eu estava esguichando desordenadamente, vertendo assustadoramente muito líquido, sem controle, sem mais por onde espalhar. Era patético, desesperador e desconcertante, mas aquela era eu. Chorar naquele momento era pouco. A mulher tirava o meu leite de dentro do meu corpo com as mãos, fazendo movimentos contínuos, apertando, machucando e me salvando. Olha. Aquilo não era dor. Aquilo era compreensão pura de ser bicho. Nada além de umas mãos sobre um corpo, nada além da pressa da natureza de esvair-se.
Não sabemos mais ser mulheres. Me assustei com isso, mas foi a primeira vez que vi o outro lado, atrás da redoma de vidro na qual me fechei para poder sobreviver de modo asséptico. O lado cruel e doloroso de ser mãe moderna é esse: temos que fingir que não há dor, que não há leite, que não há filhos. Derrapamos na própria existência, caímos no chão e choramos todos os dias, mas evitamos a verdade.
Mas, quer saber? Naquela hora de bicho, na dor única do nascimento e da natureza, percebi que esse é o único lado que tem a verdadeira feminilidade, alcançando o lamentável e indecoroso limite do belo. Fundi-me com elas, todas as fêmeas desse universo. Poderia, naquele instante, vomitar, urrar, me debater, espumar, verter ou morrer. Pouco importava. Dane-se. O leite precisava sair.
Aliás, as coisas pouco importam.
Morrer a gente morre a cada dia, nascer a gente nasce a cada instante que respira.
O resto, acho eu, são acidentes de percurso.
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