sábado, 18 de setembro de 2004

muito personagem

coisa mais difícil é ter tanto personagem.

É pior que ser mãe de três e tentar atravessar a rua. Temos duas mãos. Porém o meu problema como meus personagens é que eles todos estão vivos, e agem, falam e fazem coisas fora do script. Em algumas horas eu me assusto. Em outras, me confundo. Mas em todas, me surpreendo com a maravilha que é tê-los comigo. Que faltem braços, que faltem espaço.
Apertando dá.

Sobre a crônica da semana: não dei muito por ela, mas acho que ficou bacaninha. Ai está:

o supermercado

- Alô.
- Oi filha! Está no supermercado?
- Estou, mãe.
- Ah, que bom. Queria mesmo ter um tempinho para falar com você. Escuta...
Vou falar de novo de celular, gente. É impressionante como esse aparelhinho ficou famoso da noite para o dia: tem mais foto de telefone do que do presidente no jornal. Além disso, é raríssimo achar um “humano” que não ande armado de um celular pelas ruas. Vivemos um novo tipo de faroeste: um homem sem um telefone celular, hoje em dia, está desprotegido.
Bem, depois que inventaram o celular, acabamos aproveitando todo o tempo que sobra para falar ao telefone. Eu, por exemplo, não consigo entrar num supermercado sem sentir a maior vontade de telefonar. Não entendo exatamente como e quando a coisa começou. Acho que minha mente simplesmente decidiu que aquele tempo que eu passo entre os produtos é um tempo inútil que pode ser aproveitado. Sou uma viciada em telefone no supermercado. Às vezes não tenho para quem ligar e acabo telefonando pra empregada, só para saber se ela não esqueceu de nada na lista. Ou ligo para minha mãe, para a minha avó, para as minhas tias. Como se eu tivesse um tempo livre. Pensando bem, é erradíssimo. Pior que se entupir de pipoca e comida no cinema.
Bom, todo mundo vai ao supermercado vez ou outra. Eu vou muito, desde criança, quando os sacos eram de papel pardo e tinham que ser carregados nos braços. Anos atrás a gente ia ao supermercado, pegava o carrinho, escolhia o que comprar nas gôndolas, pagava e saia dali. Era extremamente simples ir ao supermercado.
Hoje é inacreditável a quantidade de pessoas falando sozinhas e tacando coisas nos carrinhos, sem olhar nem escolher nada, gesticulando, rindo, falando. Percebo que não sou só eu. Acho que mais da maioria das pessoas que fazem compras falam ao celular. Acho que é por isso que existe música de fundo nos mercados: para as pessoas não ouvirem a conversa dos outros.
Isso muda tudo. Antes, teu tempo ali era destinado a escolher devagar o alimento que se comprava. Agora recolhemos automaticamente os produtos das prateleiras, sem pensar em nada. Acho até que os donos de supermercado perceberam que não devem atrapalhar as pessoas: repara que quase tudo já vem sem problemas para você, que está ocupadíssimo falando ao celular. As carnes já vêm com aqueles “modess” que chupa o sangue, as verduras são pré-selecionadas e as frutas vem sem casca e sem caroço, para você não ter que largar o telefone para escolher nadinha. Tem até almoço, sanduíche e salada prontos. E sabe porque? Por que as pessoas estão muito ocupadas no celular, gente! Não temos tempo para ficar pensando o que fazer de jantar, ora!
Mas não é só supermercado que sofre de telefonema crônico. Saguão de aeroporto é até pior, pois como as pessoas sabem que vão ficar horas sem telefone no avião, se desesperam a falar como se o mundo fosse acabar. A mesma coisa acontece nos carros, nos táxis, na rua, no almoço, nos shoppings, nas salas de espera. Acabou o tempo de ficar a toa. Até na hora do esporte as pessoas falam ao telefone.
Tenho um pouco de saudade dos supermercados de antigamente. Acho que esse tipo de frase é coisa tipicamente de velho, mas não há o que fazer. Hoje o lugar serve para fechar negócio, falar com a tia, namorar e fofocar, tudo, menos abastecer a sua casa. Bem, talvez a gente coma mal por causa disso. Mas olha, eu coloco todas as conversas em dia.
Quer falar comigo? Liga no sábado de manhã. É a hora que eu estou no supermercado.




2 comentários:

Charles Vincent disse...

Sem falar em ouvir um mp3, tirar umas fotos...

Mas os personagens - nossos e alheios - têm mesmo vida própria. Quantas vezes não personificamos, em uma reunião de negócio, em festas, em aula, no meu caso.. personifico alguém sério!

Não sabemos mais o limite entre a esquizofrenia e a normalidade.

Seu, Dok !!!

franka disse...

mas, no final das contas, confundir esquizofrenia e realidade me parece um problema bem pequeno perto da quantidade de contas que eu tenho para pagar...