quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

em busca de personagens



É engraçado quando você adquire o hábito de escrever, tudo que acontece no seu cotidiano vira assunto. Entrevistei o grande ator Antônio Petrin no ano passado e ele me disse que acha que a dramaturgia começa com um bom personagem. Se você tem três ou quatro grandes personagens, você monta uma peça. Eu percebo que busco personagens sem parar. Sempre fui assim. Minha vida não tem nada de mais, eu passo o dia em obra, em reunião, no carro e muito tempo no micro, respondendo e-mail sem parar. Às vezes aparece uma planilha ou um desenho pra fazer. É um cotidiano bem sem graça, onde pra mim a graça está justamente em achar... personagens. Por isso acho que falo muito, com todo mundo, toda vez que dá. Dou trela pra burro, acho que pra achar a graça que as pessoas possam ter. Por exemplo, ontem tive uma reunião com um homem que coloca pisos. O trabalho dele é esse, vender o piso, colocar o piso. Eu tive dúvidas sobre a qualidade do piso e a sobre a colocação do piso, e marcamos uma hora para ele me explicar. Quando encontrei o homem, nossa, que personagem. Gente, nossa, ele falava demais. Repetia, repetia, mudava a frase, repetia. Parecia que tinha engolido um rádio. Ou Ipod. Céus, que homem de piso tagarela, não parava de enaltecer as qualidades do piso e da colocação, tinha certeza absoluta que era ex-ce-len-te. Acho que falei uns vinte mil "sim, claro" e para fazer uma mísera pergunta tinha quase que gritar. É engraçado, pois depois que você percebe que tem um personagem na frente, fica mais fácil conviver. E claro, não implicar com ele. E claro, quem sabe usar o personagem numa peça, numa crônica, num romance. Ontem também encontrei um par de encanadores. O seu Zé e o ajudante, o Bahia. O seu Zé sabe tudo, descoladérrimo nos canos, e o ficava Bahia ao redor, feito um instrumentador cirúrgico, passando ferramentas, sem falar uma única palavra, ao contrário do homem que coloca pisos. Uma hora, quando alguém disse alguma coisa sobre música, o Bahia, do nada, falou subitamente pela primeira vez uma única frase. "O meu cunhado é músico canta numa banda de forró toda sexta e sábado e eu assisto ele e danço". E sorri pra mim. Então concluo que do mesmo jeito que ele fica orbitando ao lado do seu Zé encanador dando ferramentas, ele fica orbitando em volta do cunhado cantor de forró dançando. Um homem simples com uma trajetória muito clara, um grande personagem, o calado Bahia, cunhado dançarino do cantor de forró que entrega ferramentas e dança. Assim acabou meu dia. Com dois prováveis bons personagens, o silencioso Bahia e o homem papagaio que coloca pisos falando sem parar. Um dia vou usar esses dois, quem sabe.

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