sexta-feira, 13 de junho de 2008

clic, nic, tic,plic

Aqui no térreo do escritório novo tem um café. Um café dentro do prédio, que vende bem, está sempre cheio, pois o prédio é cheio de salinhas e consultórios de psiquiatras e analistas e é um entra e sai doido. Já disse aqui que estou cercada de análises e terapias de todos os tipos.
Ual.
Ontem pela amanhã o café estava o maior baixo-astral. Todo mundo parecia paciente em estado mega-depressivo, mães com filhas-problema, maridos com mulheres despencando, moças em desespero. Até a dona do café estava triste e agoniada. Resolvi que vou começar a andar meia quadra e tomar café na padaria, onde o público é de alternativos mais alegres.
Mas eu, como há anos trabalho em casa e sozinha, me sinto bem no meio de tanta gente, problemática ou não, e sempre tento enturmar. Não sei porque tem me dado essa vontade, talvez eu deva procurar um dos profissionais do prédio para entender. E sempre que estou sozinha naquele café depressivo, olho atentamente para as pessoas para ver com quem vou conversar. Ainda não fiz amigos, mas acho que é uma questão de tempo.
Ontem sentei ao lado de uma moça com cabelos encaracolados e terninho. Não me pareceu paciente, e sim terapeuta. Ela reclamou com a dona do café que a xicrinha dela estava com mancha de batom de alguém. A dona do café pediu mil-desculpas e falou que ia dar um café grátis para ela. Pensei que eu talvez não reclamasse e apenas virasse a xicrinha, uma vez que não quero ser a chata do prédio. Mas ela reclamou, e eu meio que impliquei e desisti de ser amiga dela. Virei pra o outro lado e vi uma senhorinha baixinha e gordinha. Secretária de alguém, pensei. Trazia a correspondência. Ela que se adiantou.
- Que acha que engorda menos? - perguntou, apontando a estufinha de salgados.
Tudo me pareceu inocente. Uns pães de queijo, umas empadas, tortinhas.
- Se você comer só um acho que tanto faz - declarei.
- Não, não, não. Pão de queijo é pior. É feito com uma gordura péssima.
A dona do café mostrou uma empada meio marrom.
- Essa é feita com farinha integral.
- Do que é? - perguntou a mulher.
- Palmito.
- Puxa, gosto das de escarola - ela disse, desanimada.
Chegou meu café e tocou meu telefone. Quando desliguei, procurei a secretária das correspondências. Ela estava sentada na mesinha comendo pão de queijo. O pior. Depois as pessoas não sabem porque ficam depressivas.
Quando entrei no elevador, vi que fui seguida pela moça de terninho. A implicante reclamona da xicrinha do batom. Entramos em silêncio, ela tocou o andar dela, eu o meu. Começei a ouvir um barulhinho. Tic, clic, nic, tic, clic, nic. Olhei ao redor.
- Desculpa - ela disse, rindo.
- Hã?
- É meu pé - ela apontou.
Olhei para baixo. Vestia sandálias.
- Essa sandália faz tanto barulho... é que a sola é solta da palmilhinha. Olha.
Ela passou a mexer os dedos. Clic, tic, nic, plic.
- Viu?
Esqueci a reclamação da xicrinha de batom. A moça de terninho é engraçada, vou tentar ser amiga dela.

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