terça-feira, 1 de agosto de 2006

sem limites




Nesse fim de semana assisti ao filme "Crash – No limite". Não tinha idéia do que se tratava, só sabia do Oscar ganho no lugar do Broakback Mountain.
De novo nada de críticas. A história é composta de um monte de pequenas histórias que se passam em L.A. e que se entrelaçam. É um pouco como aquele filme Short Cuts, do Robert Altman. O filme é bárbaro e não se fala mais nisso. O que quero levantar é uma coisa que pensei depois que assisti ao filme.
O que me chamou a atenção foi a questão complicada da culpa e do julgamento. O filme trabalha com um monte de situações limítrofes: a humilhação, a solidão, o medo, as frustrações do cotidiano, a doença, a criminalidade. Dentro de cada uma dessas questões existem diversas histórias, diversos pontos de vista, diversas consciências. No final do filme, veio a dúvida. Qual dos lados tem mais ou menos razão? A mente humana tem capacidade de criar um monstro com uma coisa mínima. A mente humana pode pegar problemas horríveis e complicados e minimizar ao máximo, dando a eles uma escala razoável, para que não soframos. A mente humana, na minha opinião, tem esse delicioso poder de fazer o que bem entende, e foi sob a ótica desse poder que eu assisti ao filme. E ali, diante de tantas histórias, nem as ações individuais condenáveis me pareceram sem sentido.
Ixi. Isso é terrível, percebem? Posso estar me tornando uma criminosa sem perceber.
Uma das coisas que mais me impressionou na vida foi uma frase que alguém me disse em algum momento e que me fez cair num enorme abismo dentro de mim mesma. Eu sempre fui tímida em encontros sociais. Ia à festas e me mantinha quieta no meio da turma de amigas, no meio dos meus parentes ou ao lado dos amigos e namorados. E assim, calada, eu sempre implicava com uma ou outra pessoa quando não era notada. Vivia falando coisas como “fulana é uma chata, pois passa reto e nem cumprimenta” e coisas do tipo. Pois bem. Não me lembro quem nem onde nem quando, mas alguém em algum lugar e em alguma hora me alertou que, se a pessoa não me cumprimentou, poderia ser porque ela nem me notou, pô. É, é isso. Não que a pessoa quisesse me desprezar, foi isso que eu entendi, talvez ela nem tivesse me notado.
Foi ai que esse pensamento começou a ir além e eu começei a pirar com a idéia. Ora. Poderia ser, inclusive, que essa pessoa tivesse me achado a maior chata, afinal, uma pessoa tão calada como eu é muito mais chata que uma pessoa que não cumprimenta. E foi quando eu entendi que eu, por causa do medo e da vergonha, eu que não fazia, na verdade, esforço nenhum para ser amiga de ninguém. Ou seja. Foi a primeira vez que um pensamento se inverteu completamente na minha cabeça. A culpa daquelas “mulheres chatas” não me cumprimentarem, era, na verdade, totalmente minha. Ora, quem ia querer falar com um pessoa tão sem graça como eu? Parece um pensamento bem idiota, mas foi a primeira vez que eu percebi que se eu quisesse existir, eu precisaria participar da existência, e não ficar apenas assistindo. Foi a primeira vez que eu vi as coisas ao avesso. O avesso da implicância.
De lá pra cá, acho que um pouco por puro medo, eu virei uma pessoa que fala muito. Assim, eu comecei a me conhecer e conhecer os outros também. E assim, juro, passei e a ser cumprimentada.
Engraçado.
Tudo isso para voltar ao filme e concluir que nunca existe apenas uma história que está sendo contada. Quando vemos isso num filme, é fácil de visualizar, mas quando estamos no escuro da noite, sozinhos, escrevendo, sozinhos, matutando, sonhando e querendo, a nossa história infla de tamanho, fica imensa e não vemos as outras.
Por isso que eu tenho horror da solidão. Não a solidão que o destino nos impõe, eu falo da solidão que criamos em volta de nós mesmos para nos proteger. Na verdade, a solidão nos dá uma única resposta. É disso que a devemos ter medo, pois as respostas são sempre muitas.
E a pergunta fica: de quem é a culpa?

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