segunda-feira, 14 de agosto de 2006

o leque e a coceira





Encontrei um amigo que acabou de voltar de uma viagem à China.
“Como foi?”, perguntei.
Ele se pôs a contar. Não queria ir sozinho para um país tão estranho e resolveu achar uma turma.
“Não me pergunta como consegui”, disse, rindo, “mas achei um pessoal que ia para lá. Todos massagistas, professores de terapias chinesas e afins que iam fazer diversos cursos”.
“Massagistas?”, perguntei, “onde você foi arrumar essa gente?”.
“Já falei, não pergunta!”, ele respondeu, sorrindo.
Viajou. Não conhecia muito bem as pessoas e acabou tendo que dormir no mesmo quarto que um japonês. Na primeira noite, às quatro da manhã, acordou com um barulho estranho: roc, roc, rech, roch, roch, rech. Que diabos era aquilo?
Acendeu a luz e olhou para o lado. Era o japonês, deitado no chão, se coçando. O que acontecia, ele estava passando mal? O japonês explicou, sério, que não. Aquilo era uma “ginástica” para a pele. Consistia em se coçar violentamente, no corpo inteiro, para ativar a circulação, e o ideal era que fosse feita todos os dias, às quatro horas da manhã, intensamente. Ele entendia?
Ah, claro, óbvio, ele disse, sonolento. Ali, na frente daquele japonês falando tão sério, naquele país estranho, ele entenderia tudo. Tinha a viagem inteira pela frente, não falava nada de chinês, precisava de companhia. Mas lá dentro teve a maior vontade de rir.
Com o tempo ficou amigo do tal japonês. Foi descobrindo que ele era um bom rapaz, um bom massagista, apesar de ser um homem rude.
“Rude?” – indaguei.
“É, um homem de poucas palavras, sério, mas um ótimo companheiro de quarto, apesar do barulho de ralador pela madrugada afora”.
Disse que quase no final da viagem o japonês apareceu com um embrulho grande, comprido, grosso. Podia ser um guarda chuva, mas era maior, mais volumoso.
É para você, ele disse, sem mais nem menos. Um presente.
Presente? Ele ficou surpreso, esperando uma explicação que não veio.
Abriu, meio encabulado. Não conhecia direito aquele homem. Um presente, digamos, tão grande, não seria um pouco... inadequado? Mas deu de ombros: de um homem rude que se coça madrugada afora ele não deveria ter surpresa nenhuma.
Era um leque. Chinês. Gigante. Imenso, com mais ou menos um metro e meio de altura e pesadíssimo. Quando se abria, levava metade do quarto com ele. Todo enfeitado, dourado e frágil. O meu amigo não entendeu nada. Ficou sem palavras, sem ação, sem sorrisos, com aquele trambolho na mão. O que era aquilo?
“E o que significava?”, eu perguntei.
“Olha”, ele me diz, “até agora eu não entendi. O japonês não explicou nada, eu agradeci muitíssimo, tentei mostrar um agradecimento do tamanho do leque, mas ele não emitiu palavra alguma, nem sequer sorriu. Continuou rude e mudo, se coçando violentamente a cada madrugada. Viajamos mais dez dias, e eu carregando aquele leque imenso de cá para lá até chegar no Brasil. Não consegui comprar presente nenhum para ele, pois como não compreendi a que veio “aquele” presente, fiquei receoso de não comprar um à altura e ele não gostar. Fiquei cheio de de dúvidas. Ele me deu aquilo pois quis se desculpar pelo transtorno da coceira? Ou será que dar leques gigantes é uma tradição milenar oriental entre companheiros de quarto japoneses? Será que ele estava a fim de mim e aquilo era um tipo de cantada? Ou ele apenas quis me agradar? Não sei, não entendi e nem compreendo para que serve um leque tão grande”.
“E você não perguntou nada?”
“Não. Só agradeci novamente quando chegamos aqui. O leque está lá em casa, e, como não sabia o que fazia com ele, resolvi colocar na parede da sala, como um enigma, um mistério. É dourado, enorme, fica me olhando o dia inteiro”.
“E o japonês?”
“Não vi nunca mais. Me deu o cartão dele, trabalha numa casa de massagens perto de casa. Pensei muito, mas resolvi que não vou até lá não. Prefiro um massagista desconhecido, sem leque, sem coceira”.

Nenhum comentário: