- A gente não vai no jantar da Cristina? – o Zé me perguntou.
- Ai, Zé, vamos não ir?
Ele fez uma cara de quem topava na hora.
- Ééé... é sempre aquela coisa chata, aquelas conversas de sempre... Isso, vamos não ir. Então faz uma coisa pelo menos, Lú. Liga lá para eles e avisa – o Zé me ordenou – E arranja uma desculpa aí.
- Euuuu? Ah, não. Liga você.
- Da última vez já fui eu que liguei. Aquela vez da casa do Ricardo. Agora é a tua vez.
- Eu não sei dar desculpa, Zé. Você é muito melhor que eu nisso. Mais seguro.
- Eu? – ele se defendeu – Nem vem, eu sou péssimo.
Porquê será que a gente não sabe dar desculpa? Olha, há anos que essa cena acontece comigo e com o Zé e a gente não sabe o que fazer. A gente olha um para a cara do outro e começa a listar um monte de mentiras, até chegar em uma que a gente ache que vai funcionar. E que a gente consiga executar.
- Fala que você vai trabalhar – eu digo.
- Essa desculpa eu já dei da outra vez.
- Resfriado?
- Não gosto de desculpas com doença.
- Vamos falar que temos que levar os meninos numa festa.
- Ela vai falar para a gente ir depois. Não cola.
- Vamos falar que já temos ingresso para um teatro. Que ganhamos uns ingressos do vizinho.
- Isso.
- Qual peça?
- Pega o guia, a gente escolhe uma.
Olha, gente, eu sei que esse diálogo meu e do Zé é totalmente politicamente incorreto, sei que eu jamais deveria colocá-lo aqui e sei que vou me meter na maior encrenca do universo depois disso, pois agora qualquer desmarcação de verdade parecerá uma desculpa esfarrapada, mas esse é um grande assunto: as nossas milhares de pequenas mentiras e desculpas.
Para mim é uma coisa absolutamente incômoda, da qual eu tento sempre me desvencilhar empurrando para o Zé. E ele idem. Tento esquecer, deixar para depois. É que é uma coisa que eu não sei executar bem, essa coisa de “dar desculpas”. O engraçado é como uma desculpa de verdade funciona melhor que uma desculpa de mentira. Por exemplo, se não vamos no jantar da Cristina porque estou resfriada, eu pego o telefone na maior, ligo para a Cristina e digo numa boa que não vou porque estou resfriada. Mas se o resfriado é mentira, eu fico embromando a Cristina, explicando mil vezes esse tal de resfriado, encompridando a mentira do resfriado, o que, na minha opinião, fará a Cristina até “desconfiar” daquilo. Ou me internar, pois devo estar praticamente à beira da morte. Olha, a desculpa legítima é sempre mais convincente.
Dãr. Conclusão mais boba.
A questão é que sempre nos utilizamos muito dessas pequenas mentiras para escapar de situações incômodas. O mais maluco é que aprendemos, desde a infância, que essas mentiricas não são é propriamente “mentiras”, que são apenas uma “desculpa” para não fazer alguma coisa. E aceitamos essa coisa estapafúrdia nas nossas vidas: que uma “desculpa” é muitíssimo diferente de uma “mentira” – o que na verdade é outra mentira. Mas tem a sua lógica – ao mesmo tempo que a educação ensina a se desculpar, aprendemos a não magoar.
Acho que tem a ver.
Sem culpas.
- Teatro, então?
- É.
- Vou ligar, Lu.
Nossa, que absurdo, mas juro que isso é a mais pura... verdade.
Sem culpas.
- Teatro, então?
- É.
- Vou ligar, Lu.
Nossa, que absurdo, mas juro que isso é a mais pura... verdade.
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