terça-feira, 4 de julho de 2006

menos + menos = mais


Escultura Etros, Yone di Alerigi


Já que eu entrei esses dias nesse tema “meu bairro, minha vida”, lembrei de uma coisa. As coisas do meu bairro são engraçadas porque como as pessoas aqui não são lá muito amigas dos vizinhos (coisa que eu acho esquisita pra burro), a gente é obrigado a comentar as coisas do bairro só dentro de casa. Quando eu morava em prédio – e eu morei em prédio a minha vida toda – bastava entrar no elevador que começava a conversaiada. Podem falar o que for das fofocas, que eu defendo e adoro.
Aqui não. Além dos muros, meus vizinhos não são de muita conversa, fazer o quê. Mas tudo para falar de uma coisa que até hoje só comentamos aqui dentro de casa, mas que sempre nos pareceu absurda.
É o seguinte. Atrás da minha casa tem uma avenida, aquela que eu comentei num post anterior onde estão construindo os predinhos-neoclásssicos-ovo. Essa avenida é largona, e no meio dela tem um tipo de ilha–jardim muito legal.
Um dia, anos atrás, notamos uma estranha modificação na ilha. Parecia que alguém ia fazer uma obra ali, mas como além dos vizinhos não falarem entre si, as pessoas da prefeitura também não falam para os moradores dos bairros o que vai acontecer, ficamos esperando para ver e, se fosse o caso, brigar. A coisa continuou, escavação, tapume, trator, guincho. Estranho para burro. Até que um dia entendemos. Ali, na pracinha bem atrás da minha casa, seria colocada uma escultura enorme. A escultura estava totalmente coberta, feito um fantasma, e ao lado dela havia uma faixa que dizia mais ou menos o seguinte: “em breve inauguração da escultura “Etros”, da artista plástica Yone di Aleregi” .
- Escultura “Etros”? – falei, rindo – Teremos uma escultura aqui na avenida?
- Como será? – perguntou o João.
- Parece um balão – falou o Chico – Ou será um rostão?
Foi quando me toquei. Pensem, naquele momento só tínhamos as letras para conjecturar, pois a imagem estava coberta. E eu lembrei.
- Gente, reparem. “Etros” é... é contrário de “sorte”. Invertam as letras. Etros, sorte!
Foi nesse momento que eu e os meus três filhos caímos para trás, boquiabertos. Como é que alguém, em sã consciência, faz uma escultura e coloca o nome... "contrário" de sorte? Que será que passou na cabeça da escultora Yone?
- Mãe... - tentou falar a Nani, confusa - ... mas o contrário de sorte é... é...
- Não fala, Nani, que essa palavra dá uruca! – riu o Chico – Ô coisa mais maluca! Tosca!
- Vamos fazer uma outra escultura, colocar ao lado e chamar de “Raza”? – brincou o João.
Mas é sério.
A escultura “Etros” foi inaugurada, é imensa e fica em cima de um morrinho. Já tentei entender o quê o desenho da escultura tem a ver com “sorte” ou com o “contrário da sorte”, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Convivemos com ela diariamente, e não tem um único dia que alguém da minha família não passe em frente e diga: etros, etros, etros, fazendo gracinha com o nome da esculturona.
Já a Nani, que é a única que tem janela do quarto voltada para trás, não gosta até hoje da idéia de ver toda dia “o contrário da sorte”, mas fazer o quê. E, para espantar o mau olhado que supomos que existe num treco que é o “contrário da sorte”, inventamos uma teoria. O meu filho Chico, num raciocício matemático simples e confortador, resolveu e nos explicou que, como a escultura "Etros" está “atrás” e “ao contrário” da nossa casa, temos dois “menos” – o “contrário da casa” e o “contrário da sorte".
- E como “menos” e “menos” dá “mais”, teremos muita "sorte", ô mãe - ele concluiu.
Hahaha.
Pena que com tanto muro por aqui a gente nunca pode conversar sobre isso com os vizinhos.
Pena mesmo.

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