sábado, 8 de julho de 2006

“luxo é andar a pé”





Está numa propaganda de um lançamento imobiliário na folha de São Paulo de hoje: “luxo é andar a pé”. Dei um pulo da cadeira. Hã?
- Zé!
- Oi.
- Olha essa propaganda aqui – eu disse, mostrando o jornal para ele no café da manhã – Aqui diz que andar a pé é muito chique.
- Como assim?
- Eu juro, olhaqui. É um lançamento imobiliário. Um prédio que fica numa rua onde parece que é possível “andar a pé” e que isso torna o prédio muito fino. Um "luxo". Zé, é como se não fosse possível andar a pé nas ruas dos outros prédios. Não acha um absurdo eles falarem isso? É uma mentira deslavada. É como se a nossa cidade fosse absolutamente inviável para andar a pé, mas que nessa rua, nessa específica rua onde fica esse tal prédio, é possível andar a pé e que essa possibilidade dá valor ao imóvel. Já viu isso? Existir valor agregado a um imóvel porque é possível... andar da frente dele? Palhaçada.
- Não implica e pensa por outro lado, Lú. De um certo modo, eles estão vendendo o prédio e o espaço urbano, e isso é legal. Você sabe o que acho sobre a cidade, os muros, a relação do morador com o bairro.
Bom, taí em cima. Escaneei essa parte da propaganda pois fiquei chocadérrima. É a propaganda de um prédio de apartamentos em Pinheiros, um bairro conhecido e super normal daqui de São Paulo, onde hoje mesmo eu andei a pé. O prédio é completão, daqueles que tem piscina, sala de ginástica, lounge, cozinha gourmet e até um negócio chamado “espaço mulher”, que não tenho idéia do que seja.
Mas o que me impressionou é o que está por trás da propaganda. Todo mundo sabe como as propagandas são influentes e dominantes na nossa vida atual. Primeiro que alguém vir e dizer que naquele lugar, “uma rua arborizada e sem saída”, “é um luxo andar a pé”, nos dá a impressão que em outros lugares é uma porcaria andar a pé. Ou seja, a propaganda do prédio divide na maior a cidade em duas partes: os lugares onde é chique andar a pé e os lugares onde andar a pé é uma droga horrível.
Fiquei impressionada também com o “andar a pé”. Andar a pé virou... um luxo? Sim. Por incrível que pareça aqui em São Paulo uma coisa que é natural do ser humano fazer virou uma coisa quase que supérflua. Porque – vamos falar a verdade – a gente não anda mais a pé aqui em São Paulo. Na verdade andamos, mas pegamos o carro e vamos andar dentro dos clubes, do Ibirapuera, dos parques. Andar a pé pela rua é coisa que quase ninguém mais faz, não é mais hábito. Cada vez menos percorremos distancias mínimas de carro, por medo, preguiça, sei lá.
Andar a pé, um luxo.
Caramba. Que mundo mais sem pé nem cabeça esse nosso.

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