segunda-feira, 6 de março de 2006

a infância e ponto final



- João, quer ir ao cinema com a gente? – perguntou o Zé para o João, nosso filho menor.
- Só eu e vocês dois?
- É. Teus irmãos têm outros programas. Quer?
- Oba.
Ele nunca tem chance de sair só com a gente.
- Que filme vamos ver?
- Um do Woody Allen – o Zé respondeu – "Ponto final".
- Quem é esse cara?
- Um cineasta. Da nossa geração.
No meio do caminho, ele pega a revista da Folha e começa a folhear.
- Que foi, João? – perguntei.
- Estou vendo pra quantos anos que o filme é proibido.
- Ichi. Tinha esquecido disso – notei.
Ele olhou a revista.
- Dezesseis, mãe. Olha aqui. E eu tenho doze.
- Bom, João, mas você está com a sua mãe e o seu pai. Com mãe e pai pode entrar – expliquei – Fica frio que ninguém vai te barrar.
- O problema não é esse, mãe. É que o papai me falou que ver filme proibido estraga a infância.
Eu olhei pra o Zé e cochichei.
- Você falou isso?
- Não sei. Será que eu falei? – o Zé respondeu, sem graça.
- Ele tá dizendo que você falou.
- Bom, então é melhor a gente ir ver outro filme.
Eu conjecturei.
- Zé, o João já viu Cidade de Deus.
- Sério?
- Viu. Comigo do lado, eu expliquei tudo. Vimos até o making off - lembrei - Até eu me desimpressionei com o making off e perdoei o Meirelles.
- É. Cidade de Deus é bem violento.
- Eu sei.
Eu me lembrei de outra coisa.
- Zé. Ele também viu Carandiru, sabia?
- Quando?
- Outro dia. Mas também foi comigo do lado, explicando. E... bem, ele também viu "Apocalipse Now". Esse ele viu sozinho, escondido, eu descobri. Mas depois dei uma bronca.
- Nossa. "Apolipse Now" é muito violento...
- Bom, Zé... bem, depois disso eu não acho que é o Woody Allen que vai estragar a infância dele.
Ele me olhou, concordando.
- Tem razão. Vamos embora.
O João olhou para nós dois.
- Eu vou, mãe?
- Vai, João. Se tiver alguma cena forte eu tapo seus olhos.
- E a minha infância?
- Eu e seu pai decidimos que Woody Allen, com pai e mãe junto, não estraga infância de ninguém.

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