sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

o anel do Fagundes


Vocês nem perceberam, mas ontem eu fui pro Rio de Janeiro e voltei rapidinho.
Bom, fiz uma reunião numa obra, estava muito calor, o Rio estava lindo como sempre e, depois do almoço, resolvi voltar para São Paulo.
Embora o aeroporto estivesse vazio, tive que esperar mais de uma hora para embarcar por causa dos horários dos vôos. O tempo que se demorar nesse limbo antes do vôo é impressionante. Acho que é culpa dos tais procedimentos de partida e chegada, quando você tem que ficar sentado numa sala muito sem graça, apenas ouvindo as chamadas.
Chegou a hora, entrei rápido no avião e sentei na minha janelinha. Depois de acomodada, passei a olhar a fila das pessoas que ainda entravam, uma a uma, subindo a escadinha. Uma moça executiva falando no celular, dois homens suados de terno, um senhor de camiseta e cara de estrangeiro, um homem careca com óculos modernos, o Antônio Fagundes.
Epa.
O Antônio Fagundes?
Olha, eu não ando enxergando bem, e aquele vidro do avião é todo embaçado e arranhado. Enfiei o nariz na janela e olhei de novo para o homem de cabeleira branca que subia a escadinha. Sim, era o Antônio Fagundes.
Tive vontade de rir. Sempre tenho vontade de rir quando vejo atores que conheço desde a minha infância. Outro dia dei de cara com o Rubem de Falco num jantar. Eu adorava o Rubem de Falco. Me servi e fiquei sorrindo ao lado dele, que nem boba. Imagina. O Rubem de Falco.
E ali estava o Antônio Fagundes no mesmo avião que eu. Lembrei dele com uma camiseta de gola canoa quando era namorado da Regina Duarte no Vale Tudo. Olhei para as cadeiras ao meu lado e suspirei: elas já estavam ocupadas, ou seja, ele não sentaria ao meu lado. Passou por mim com a maior cara de Antônio Fagundes e seguiu para trás. Tive uma vontade súbita de pegar o celular e tirar uma foto, mas desisti quando me lembrei que um dos meus filhos, para fazer gracinha, colocou um som de pato fazendo “quac” no clic da foto. É vergonhoso.
O Antônio Fagundes. Mas para que diabos serve essa coisa de estar com um famoso dentro de um avião? Óbvio que eu jamais abordaria o Antônio Fagundes para falar com ele. Falar o quê? E morro de pena de atores, é horrível não poder nem sair na rua. O anonimato, mesmo que fingido, é melhor que o assédio. Mas então pra que serve encontrar o Fagundes no avião?
Ora, gente. Serve apenas para falar:
- Encontrei o Fagundes no avião.
Ou seja, a tua viagem não foi uma viagem qualquer. Foi uma viagem-com-o-Fagundes. Durante alguns dias você pode comentar, como quem não quer nada.
- Fui para o Rio na quinta e sabe quem estava no meu avião de volta? O Fagundes.
Ou então você pode ver o homem na tv e comentar.
- O Fagundes. Ele voltou de avião comigo semana passada.
Viajar com o Fagundes é apenas isso. Um assunto. Uma assunto bom e despretensioso que pode ser dito em qualquer situação e dar início a uma boa conversa. Não é sempre que a gente tem um assunto assim. Na verdade, na maioria das vezes a nossa vida é bem besta, sempre aquela coisa cotidiana, repetida. Encontrar o Fagundes é um fato que merece consideração.
Sabendo disso, resolvi reparar em algum detalhe para dar mais graça e veracidade às minhas histórias futuras. Quando ele passou perto de mim, atentei. Camisa branca, cabelos brancos à la Roberto Justus, jeans, tênis brancos, um livro da Susan Sontag nas mãos. Hum. Tudo tão comum... foi quando eu olhei as suas mãos: em um dos dedos da mão direita, o Fagundes usa um anel grandão de prata com uma pedra quadrada e marrom.
Háhá.
Quando vi o anel, sosseguei. Sei lá porque, aquele anel dava o tom certo na minha história. Dá até o nome da crônica. E, sério, quando eu puder, comprarei um igualzinho pra mim.

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