quinta-feira, 10 de novembro de 2005

a pedra rachada



Ontem tive que viajar a trabalho. Fui até uma ilha onde coordeno uma obra de uma casa, em Angra dos Reis. Os serviços estão começando, o local estava coberto de lama, garoava fininho e todo mundo trabalhava sem parar.
Percorri a obra toda para ver como andavam os trabalhos de limpeza do terreno e fundações. E, sem mais nem menos, eu reparo numa enorme pedra ao lado da piscina.
Bom, todo mundo sabe que eu adoro pedras, que tenho coleção de pedras-coração, que cato um monte em todos os lugares que vou e que adoro ganhar de presente.
Mas essa pedra me pegou de surpresa.
É uma pedra imensa, que até então estava escondida no meio das plantas. Ontem olhei para ela e levei um susto. Não tanto por causa do tamanho, em praias as pedras em geral são grandonas. O problema é que descobrimos que ela, em algum momento da sua existência, rachou ao meio e partiu-se em dois.
Olha só.
Crac.
Os engenheiros, mestres e técnicos deram mil explicações: foi por causa da água que desce do talvegue, foi por causa da movimentação do solo, o material da pedra que é permeável, blá, blá, blá. Eu olhava embasbacada. O problema não é entender porque aquilo aconteceu, e sim conviver com ela. É curioso como a natureza nos pega de surpresa. Não temos domínio algum sobre as rachaduras da vida. Nenhum.
Eu percebi também outra coisa. A floresta, a mata, a vegetação, de um certo modo, estavam cuidando daquele machucado ao longo dos anos. Mas nós, seres superiores, formados em universidades e cheios de poder, retiramos sem dó as plantas, a terra, a roupa, a sua proteção. E a enorme cicatriz surgiu no meio de todos, escancarada, fendida, machucada. Como se estivesse nua. Como se sangrasse.
Olhar para aquele gigante partido me deu uma enorme agonia. É como se a pedra não tivesse agüentado, é como se não fosse forte o suficiente. Aquilo é marca da fraqueza, da derrota. E quem morar ali terá que conviver com essa dor.
Isso mostra que nada é eterno, pois mais que seja sólido. Se uma pedrona dessas racha ao meio, imagine como é fácil rachar a nossa vida, como se fragmentam os nossos relacionamentos, os nossos casamentos. Aquela pedra rachada foi, para mim, uma lição de vida. Conviver com ela e com a sua feiúra incômoda é algo que eu precisaria aprender.
Porém, claro, ontem ninguém percebeu tudo isso. Sabe como é engenheiro e gente de construção. O que eles gostam são piadinhas infames sobre o governo, sobre portugueses, loiras e casamentos. E assim eu fui, voltei e não peguei nenhuma pedra. Voltei com as mãos abanando, mas com uma pedra enorme na cabeça.
Un corazòn partido.

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