sábado, 5 de novembro de 2005

falando dentro das mesas



Fui na Bienal de Arquitetura no domingo. Além do Zé, tenho muitos colegas expondo lá e adoro ver as exposições internacionais.
Sempre achei estranhas as Bienais. É coisa demais. Qual a graça de entulhar um monte de coisas dentro de um lugar? Saio sempre frustrada, como se tivesse perdido uma parte.
- Ah, mas são todos os artistas ou arquitetos do mundo.
- Ah, é bom porque você pode ter um panorama geral da arte ou da arquitetura.
- Ah, é uma oportunidade única.
Eu vou, senão fico sem assunto, mas que é um exagero, é. Imagine se existisse uma Bienal de comida, onde você tem que comer todas as comidas do mundo, ou uma Bienal de cinema, onde você precisa ver todos os filmes do mundo ao mesmo tempo, um ao lado do outro? Porque temos que ter arte e arquitetura em overdose de dois em dois anos?
Depois de respirar fundo, comecei a andança. E notei uma coisa estranha. Bem, a minha leitura da Bienal não é arquitetônica, mas para isso existem os críticos e estudiosos. A minha leitura foi de uma coisa que não tem nada a ver com arquitetura. Eu encasquetei com as televisões.
Caramba, porque diabos uma Bienal de Arquitetura tem tanta... televisão?
Quase todos os estandes tinham televisão. É impressionante. Podiam nem ter projetos, mas sempre existia um monitor. Todas as televisões ficavam ligadas o tempo todo, ininterruptamente, e, em cada uma delas um arquiteto falava sobre seus projetos e obras.
Existiam monitores nas paredes, em totens, em tetos. Num dos estandes, o arquiteto falava numa mesa: dentro da mesa estava uma tv deitada, e dentro da tv o arquiteto tagarelava. Olha, tinha até amigo meu falando.
Achei estranho demais aquilo. É como se uma coisa que nunca teve voz, a arquitetura, começasse a emitir sons. Mas o problema é que pouquíssima gente ouvia. As televisões ficavam ligadas para o nada, falando, berrando, discorrendo, repetindo sem parar aqueles monólogos. Aquilo começou a me afligir. Talvez isso seja bem representativo de um mundo onde tão pouca gente respeita a nossa profissão. Pode ser, não sei.
Só sei que eu, que sou a maior caipira, passava pelos corredores e quando via um arquiteto falando, parava para ouvir. Não conseguia ir onde queria, me dispersei toda. Dava pena, entende?
Fiquei pensando porque isso me incomodou tanto. Talvez eu, assim como muita gente, também fale sozinha, repetindo sem parar as coisas que eu acredito. E talvez muitos de nós, as pessoas que falamos sozinhas, nunca tenhamos a sorte de ser ouvidos por alguém que passa. Não que o que é dito não seja interessante, importante ou poético, mas apenas porque o nosso estande é no fundão, é escondido, é pobre, é fora do caminho ou tem pouca propaganda. São essas coisas da vida, do acaso. São acidentes que nos empurram para o destino. É essa casualidade que nos coloca onde bem entender que me deixa completamente angustiada. Eu olhava ao redor naquela Bienal, confusa, como se eu não pudesse fazer nada, absolutamente nada diante de todas aquelas vozes sem interlocução.
Foi isso o que ficou da Bienal para mim. Uma coisa meio triste. Não ficou arquitetura, não ficou urbanismo. Ficou a idéia da inevitabilidade do acaso diante das nossas vontades e desejos. Fiquei pequena demais ali, como aquele homem-mesa falando para o nada e não tendo a sorte de passar alguém ali naquela hora para ouvir.
Dentro de uma mesa. Coisa esquisita.

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