Quando chegamos, ela estava sozinha com as crianças. Sorriu.
- Entrem, sentem. O Reinaldo ainda não chegou. Deve ser o trânsito - ela explica, sem graça, olhando eu e meu sócio com o projeto nas mãos.
Os filhos pequenos rodam pela sala. Ela pede para a gente não reparar na bagunça.
- Estou curiosa para ver os desenhos. Ficou bonita a casa? – rapidamente ela olha para a porta da copa – Róóósa. Faz um café, por favor? – logo em seguida segura mão do filho pequeno - Lucas, não mexe nisso.
Eu sorrio sem graça. Será que dará certo? O resultado de uma reunião de projeto é sempre imprevisível.
- Gabriela, esse papel aí é da titia. Olha, quando o Reinaldo chegar eu vou colocá-los na cama - ela explica, desculpando-se.
O homem engravatado chega com cara de cansado. Óbvio que esqueceu da reunião.
- Ah, como vão... – ele diz, nos cumprimentando sem ânimo.
- Querido, você não quer ir com eles para a sala de jantar enquanto eu coloco a Gabi e o Lucas na cama?
A sala de jantar está quieta. O homem nos deixa ali e vai buscar bebida. Adiantamo-nos, retiramos a fruteira e abrimos os desenhos sobre a mesa. Ele volta com o uísque, que eu recuso e meu sócio aceita. A empregada entra com o café, que eu aceito e meu sócio recusa. Tentamos começar sem a mulher, mas ele discorda.
- Conheço a Vaninha, ela vai ficar brava.
Depois de uns minutos ela entra, cheia de revistas. Dá uma risadinha.
- Umas idéias que eu tive.
O Reinaldo olha torto. Eu me adianto.
- Isso é ótimo. Dá para sentir o clima que vocês querem ter na casa – falo, salvando a mulher.
Depois de explicarmos o projeto, a Vaninha pergunta onde fica a rua. Obviamente não entendeu nada. O Reinaldo retruca, ela deveria prestar mais atenção - se aqui é a garagem, aqui é a rua, Vaninha, ele aponta. Vaninha fica sem graça, disfarça e pergunta qual é o quarto de cada filho. Tanto faz, eu explico, são iguaizinhos. Ah, é que eu preciso que o do Lucas tome sol por causa da bronquite. Explico que os dois quartos estão virados para a mesma face. Olhe esse desenho aqui, isso é uma representação de uma janela. O sol é o mesmo nos dois ambientes.
O homem quer saber a área da construção. A Vaninha interrompe - a cozinha não está pequena? Meu sócio percebe que a mulher não tem idéia do que é pequeno ou grande, aliás, ainda não entendeu onde está a rua. Reinaldo coça a cabeça, não queria uma casa de trezentos metros. Conversei com um amigo que acabou de construir, pensei em cento e cinqüenta metros. Bom, explica meu sócio, vocês pediram quatro suítes, um home theather, family room. Então nós vamos tirar uma das suítes, fala o Reinaldo. A esposa se assunta. Mas a mamãe vem todo mês para cá, onde ela vai ficar, querido? Ora, ela dorme com a Gabi, ele desconversa e se levanta para pegar outro uísque. Vaninha fica ressentida e segura a raiva num suspiro profundo. Fingimos que está tudo bem e continuamos. É uma casa de telhado? Pergunta a mulher, olhando as elevações, eu não gosto de casa de laje, eu falei. É, diz meu sócio. É interrompido pelo Reinaldo, que, preocupado, diz para mudar o projeto. Três suítes e um quarto de empregada só. Cento e cinquenta metros.
A Vaninha fica irritada. Como assim? Um quarto de empregada só? Tem a Rosa e a Lourdes, a babá, onde a babá vai dormir, Reinaldo? No mesmo quarto que a Rosa, Vânia. Mas eu já disse para elas que. Você desdiz, Vaninha, porque eu não quero construir uma mansão desse tamanho para satisfazer empregada. A mulher bufa. Reinaldo, escuta, nós temos que conversar depois. Você sabe quanto custa uma obra, Vaninha?, ele diz, olhando para o meu sócio. Olha, vocês que decidem, eu falo, se precisar mudamos o desenho.
O Reinaldo analisa o projeto. As crianças podem ter um único banheiro. Como assim, Reinaldo, mas a Gabi... Ora, ele fala, eu dividi o banheiro com a minha irmã Flávia a vida toda. Então porque não divide comigo, Reinaldo? As crianças terão que dividir o banheiro mas você quer ter um só teu, né? Ele a olha com autoridade. Eu que pago as contas aqui e não posso nem ter um banheiro meu? Vaninha, irritada, disfarça, abre uma revista e mostra para meu sócio uma foto de um lavabo. Ele sorri sem saber o que fazer. Explica que precisaremos fazer outro projeto, afinal teremos que tirar uma suíte, um banheiro, a sala íntima e um quarto de empregada. Não esqueçam de aumentar a cozinha, ela pede. Chega, Vaninha, fala o Reinaldo, você não entende nada de projeto, a cozinha está boa assim. Ele me olha, nervoso. Me responda, acha que a cozinha está pequena?
Titubeio. Fico de lado de quem? Está do tamanho da cozinha da minha casa, mas melhor esperar o outro projeto, respondo. Nos levantamos para sair, enquanto Vaninha ainda olha desenhos tentando entender a rua, cozinha, a laje e o telhado. Está nervosa. Olhaqui, Reinaldo, se é para diminuir tanto eu prefiro nem construir. Morar num cubículo, Deusmelivre. Mesquinharia sua isso. Vaninha falamos depois, ele resolve, nos encaminhando para a porta. É melhor vocês conversarem, fiquem com esses desenhos que ligaremos no final da semana, fala meu sócio. Vaninha se despede com um sorriso amarelo, o marido dá tchau e a porta de fecha.
Provavelmente é naquele momento que a briga começa.
7 comentários:
Pior que depois dessa reunião muitos desistem do projeto mesmo, e nem quererm pagar o trabalho que tivemos....beijo. bom dia
elisa, você já ouviu esse diálogo antes, não ouviu?
hahahaha.
beijo!
(ps: o haloscan pifou no seu blog também???)
Eita Lúcia, ouvi isso e ainda ouço...o haloscan pifou geral....
É o haloscan pifou, nem sei o que fazer, deixo pra lá.
hahahahaha está ótimo. Sabe que meu pai qdo foi construir a casa, era engenheiro civil e militar, nós achávamos pequena na planta, mesmo qdo estava no chão, um absurdo, queriamos um qto para cada um, acabou em trezentos metros quadrados de área construída, pobre pai, ele era tão econômico... levou anos construindo aquele elefante branco, logo depois fomos eu e minha irmã para o Rio, ficou aquele casarão. :)
lucia, que esquisito está por aqui hj, né?
reforma e construção é a grande prova de amor para qq casamento. deviam colocar um teste nessas revistas especializadas num tipo mulher, assim:" veja se ele te ama. reforme sua casa!"
lendo,me deu uma certa angústia que matei em dois tempos: além de não estar construindo nada não sou casada.
ufa! por essa não passo.
O kit básico a ser levado a uma reunião de projeto residencial deveria incluir também os seguintes ítens : um psicólogo , um terapeuta sexual , um psicólogo infantil com uma vara de marmelo na mão , um economista , um engenheiro de custos , um bloqueador de celulares , um personal trainner de elegância e cultura ( nível básico ), ata de reunião assinada na hora , cronômetro para medir a duração da reunião - cobrada por minutos .
E , importante , reunião sòmente no escritório . Alguém pede prá médico, dentista , advogado e etc ir à própria casa à noite ? aos sábados ? em feriados ou dias santos ? ham ?
Nesse terreno dá p/ construir 4 casas,uma p/ as crianças, outras três p/ a mulher o marido e hóspedes.
Interligadas por esteiras rolantes.
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