terça-feira, 11 de outubro de 2005

lúcia, a negociadora



O Zé resolveu trocar o carro dele, ou melhor, o que sobrou do carro dele depois de anos de uso. Fomos até a loja para comprarmos um igualzinho, mas mais novo.
O vendedor insistia em outros modelos, a gente segurando a mão – a prestação ia ficar cara demais. Homens gostam de carro, o vendedor sabia disso. Assim, ele deu um jeito e pimba, me neutralizou com um cafezinho e levou o Zé para a ala dos carros bacanas para a lavagem cerebral. Provavelmente ele dizia que se o Zé comprasse um carro melhor, ia ter mais sucesso, status, fama. Só não falou que o Zé teria mais mulheres porque eu voltei rapidinho e me prostrei ao lado, feito a ... a madre superiora
Os olhos do Zé começaram a brilhar diante daquelas maravilhas. Eu resolvi que precisava fazer alguma coisa.
- Não, não... – falei muito alto – eu não gosto desse carro ai. É pequeno, apertado, e essa cor é horrível – declarei, categórica.
Sabe, quando a gente tem certeza absoluta de uma coisa? Eu, naquele momento e naquela loja tive certeza absoluta que o Zé estava sendo ludibriado. Hipnose pura.
- Como a senhora não gosta? – falou o homem, sem graça – esse é o melhor carro da marca.
Fiz uma cara de desprezo e percebi o pânico do Zé. Eu não entendo nada de carros.
- O similar da marca concorrente é mais barato, é maior e tem mais acessórios, moço - arremedei.
Olha, eu falei tão sério que o homem deu um passo pra trás. Ele não percebeu que aquilo era apenas um modo de salvar o Zé e nossa família da falência.
- Ah, é? Quais acessórios que tem a mais e quanto custa o tal carro da concorrência, senhora?
Eu não tinha a menor idéia. Na semana anterior eu tinha ido com o Zé numa outra concessionária que era carésima. A resposta deveria ter sido “sei lá”, mas tive vergonha de admitir. Olhei para o Zé. Ele estava estático, hipnotizado.
- Custa dez por cento a menos e eles me dão trio elétrico.
Como se eu soubesse o que é isso. Bom, ao menos sei que é vidro elétrico, alarme e alguma coisa elétrica a mais. Seria direção hidráulica? Rádio? Tomada para secador de cabelo? Ou um caminhão de música?
O homem pigarreou.
- Humpf. Posso estudar – ele pensou um pouco e declarou - posso dar rodas de liga leve, senhora.
O que seria isso?
- Mas o carro da concorrência é maior, muito maior, moço - continuei, mudando de assunto.
- Hum, eu arrumo da cor que a senhora quiser.
-Ah, mas eu gosto mais do modelo deles. É mais bonitinho.
- Eu dou os tapetes grátis.
Eu não sabia mais como me livrar dele. O homem era muito chato.
- O porta malas é mínimo – eu argumentei, abrindo a porta de trás – não cabe nem duas malas e...
- Os parachoques, senhora. Eu faço da mesma cor do carro.
Olha, eu não queria aquele carro e nem tinha reparado em parachoques. O que eu queria era me livrar do vendedor. Acho que foi por causa disso que fui tão categórica e tão definitiva. E justamente por causa daquela minha certeza que o homem percebeu que aquilo não era brincadeira e começou a liquidação.
- Você não entendeu, moço – eu falei, já me levando a sério – eu não quero esse carro. Eu vou comprar o outro. Da concorrência.
- Um momento – disse o homem – eu já volto, um minutinho.
O Zé me olhou.
- Pirou? Que carro é esse que você “viu” e que é tão melhor? Mas está ótimo, ótimo, lúcia, continua. Está uma maravilha isso.
- Zé, eu que pergunto. Você está maluco? A gente vai se endividar até a alma.
- Shiu, olha ele ai.
O homem me olhou e sorriu.
- Senhora. Senhor. Falei com o gerente. Faremos mais barato que a concorrência.
Levamos um susto. E não era só isso.
- E, além dos parachoques, do trio elétrico, dos tapetes, das rodas de liga leve e da cor que a senhora quer, daremos ainda insulfilm. E a primeira parcela só mês que vem.
Foi quando eu entendi. É assim que deve funcionar um método de barganha. Os verdadeiros métodos de barganha acontecem quando a pessoa do lado de lá, como eu, não querem de modo algum o produto. Acho que eu nunca negociei tão bem, o Zé até me elogiou. Mas aquilo não foi negociação, foi realidade. Assim que eu vejo os atores de teatro, os profissionais, os escritores, os artistas. Muitos profissionais ‘representam’ e não conseguem vender nada. Os verdadeiros, os legítimos, não barganham.
São.
A autenticidade está ai, na cabeça de quem faz.
Bom, o Zé comprou o carro. Agora temos que negociar a dívida...

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